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segunda-feira, abril 23, 2012

ONU

Direitos humanos e desenvolvimento no pós-Primavera Árabe (Navi Pillay)
Navi Pillay, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos
Há momentos na história em que cada um de nós é chamado para declarar de que lado está. Eu acredito que aí está um desses momentos.
Ao longo do último ano, em Túnis, Cairo, Madri, Nova York e em centenas de outras cidades em todo o mundo, a voz de pessoas comuns se levantou e suas demandas se tornaram claras. Elas querem os direitos humanos no centro de nossos sistemas econômicos e políticos, a chance de uma participação significativa nas relações públicas, uma vida digna e a libertação do medo e da privação.
A chama que acendeu o fogo da Primavera Árabe, que eventualmente se espalharia pelas cidades em todo o mundo, foi o ato desesperado de um único ser humano que, tendo negados os elementos mais básicos de uma vida com dignidade, ateou fogo a si e, ao fazê-lo, declarou que uma vida sem direitos humanos não é uma vida de verdade.
As ações, as omissões e os excessos dos governos da região estavam no centro. E as ações dos Estados poderosos fora da região, que apoiaram regimes autoritários e políticas destrutivas em interesse próprio fomentando a repressão, a impunidade, o conflito e a exploração econômica, também desempenharam papel chave.
Mas, em nível internacional, as avaliações fornecidas por instituições financeiras e agências de desenvolvimento no período que antecedeu à Primavera Árabe também são esclarecedoras: a Tunísia, foi dito, demonstrou “um progresso notável no crescimento da equidade, no combate à pobreza e no alcance de bons indicadores sociais.” Ela estava no caminho para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Ela estava “bem avançada em termos de governança, eficácia, Estado de Direito, controle da corrupção e qualidade regulatória”. Ela era “uma das sociedades mais equitativas” e “uma grande reformadora”. Em geral, nos foi dito, “o modelo de desenvolvimento que a Tunísia buscou nas últimas duas décadas fez bem ao país”.
Ao mesmo tempo, a ONU e os monitores dos direitos humanos da sociedade civil mostravam comunidades excluídas e marginalizadas, humilhações e negação dos direitos econômicos e sociais. Ouvimos falar de desigualdade, discriminação, falta de participação, falta de empregos decentes, falta de direitos trabalhistas, repressão política e negação de reunião livre, de associação e de discurso. Encontramos censura, tortura, detenção arbitrária e a falta de um Judiciário independente. Em suma, ouvimos sobre medo e privações. Ainda assim, de alguma forma, esse lado da equação teve muito pouca influência em nossa análise de desenvolvimento.
Isso não quer dizer que a análise de desenvolvimento estava completamente errada, ou que os dados estavam imprecisos. O problema era que as lentes analíticas eram muitas vezes estreitas e por vezes simplesmente apontavam o caminho errado. Claramente elas não foram fixadas diretamente na libertação do medo e da privação — ao menos não para a maioria.
Ao invés disso, elas estiveram focadas muito estritamente no crescimento, nos mercados e no investimento privado, com relativamente pouca atenção para a equidade e sem foco para os direitos civis, políticos, econômicos e sociais. Mesmo onde a atenção estava direcionada para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, isso forneceu apenas um conjunto muito restrito de indicadores econômicos e sociais, nenhum deles baseado em direitos, todos com baixos limiares quantitativos, nenhum garantindo processos participativos e nenhum acompanhado de responsabilidade legal.
Essencialmente, as análises não encontraram respostas erradas, elas apenas não perguntaram muitas das questões importantes.
E essa miopia política tem sido repetida em países do Norte e do Sul, em que líderes políticos parecem ter esquecido que cuidados da saúde, educação, habitação e a boa administração da justiça não são commodities à venda para os poucos, mas direitos aos quais todos têm direito, sem discriminação. Tudo que fizermos em nome de políticas econômicas ou de desenvolvimento deve ser projetado para avançar esses direitos e, em última instância, não devem fazer nada para prejudicar sua realização.
Quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada, em 10 de dezembro de 1948, os autores alertaram que, “para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, os direitos humanos devem ser protegidos pelo Estado de Direito.” A declaração definiu os direitos necessários para uma vida de dignidade, livre do medo e da privação — dos cuidados com a saúde, educação e habitação, à participação política e à boa administração da justiça. Ela disse que esses direitos pertencem a todas as pessoas, em todos os lugares, sem discriminação.
Hoje, nas ruas de nossas cidades, as pessoas estão exigindo que os governos e as instituições internacionais cumpram essa promessa, com suas demandas transmitidas ao vivo pela internet e pelas mídias sociais. Ignorar essas demandas não é mais uma opção.
De preferência, os governos e as instituições internacionais devem acompanhar sua liderança fazendo mudança política drástica na direção de uma integração robusta dos direitos humanos nos assuntos econômicos e na cooperação para o desenvolvimento, e adotando a lei dos direitos humanos como a base para a governança interna e como fonte de coerência política em todo o sistema internacional. Essa é nossa demanda para o novo milênio. Esse é o imperativo Túnis.
Fonte: Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos

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