Brasil possui uma das maiores reservas em terras raras de todo o Planeta.
As chamadas terras raras englobam 17 elementos químicos muito parecidos, mas que diferem no número de elétrons em uma das camadas da eletrosfera do átomo. São agrupadas em uma família na tabela periódica porque ocorrem juntos na natureza e são quimicamente muito parecidos.
O Brasil pode ser dono de uma das maiores reservas de terras raras do planeta, mas, hoje, praticamente não explora estes recursos minerais. As terras raras são usadas em superimãs, telas de tablets, computadores e celulares, no processo de produção da gasolina, e em painéis solares.
Estimativas da agência de Serviços Geológico Norte-Americano (USGS), apontam que as reservas brasileiras podem chegar a 3,5 bilhões de toneladas de terras raras.
De olho no potencial brasileiro, a Fundação Certi, de Santa Catarina, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de São Paulo, e o Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), do Rio de Janeiro, estão se articulando para dar apoio à iniciativa privada, caso o Brasil decida explorar esses recursos minerais e entrar no mercado.
Reservas de terras raras
Um mercado hoje inteiramente dominado pela China, responsável por 95% da produção e dona de 36% das reservas conhecidas. O valor do mercado mundial dos óxidos de terras raras é da ordem de US$ 5 bilhões anuais.
"Estamos nos estruturando para, caso alguém se interesse por entrar na mineração, possamos apoiar estas iniciativas. Temos alguns projetos de pesquisa, mas começamos devagar porque se não amadurecer a mineração de terras raras no Brasil, não tem sentido a gente investir em pesquisa e desenvolvimento para exploração e produção", afirma Fernando Landgraf, diretor de inovação do IPT.
Como parte da ação das entidades acadêmicas de colocar o assunto em discussão e contribuir para o debate, Landgraf publicou um artigo no jornal Valor Econômico no dia 13 de abril de 2011, chamando a atenção para o potencial brasileiro.
Nos 3,5 bilhões de toneladas de terras raras, após os processos industriais que concentram e separam os elementos químicos que ocorrem de forma agregada nos minérios, há 52,6 milhões de toneladas de metal.
Essa estimativa do USGS consta no documento Os principais depósitos de elementos terras rara nos EUA - Um resumo dos depósitos domésticos e uma perspectiva global.
Com base em dados do geólogo da CPRM, Miguel Martins de Souza, publicados em revista científica especializada, a USGS calculou também que a reserva de 2,9 bilhões de toneladas de terras raras na mina de Seis Lagos, na Amazônia, resultaria em 43,5 milhões de toneladas de metal contido.
Em Araxá, Minas Gerais, em uma mina explorada pela Vale, haveria o segundo maior depósito brasileiro: a estimativa dada pelo documento é de 450 milhões de toneladas de terras raras e 8,1 milhões de metal contido para essa mina.
Terras raras
As terras raras são 17 elementos químicos muito parecidos, mas que diferem no número de elétrons em uma das camadas da eletrosfera do átomo. São agrupadas em uma família na tabela periódica porque ocorrem juntos na natureza e são quimicamente muito parecidos.
Também têm como característica comum os nomes complicados: lantânio, neodímio, cério, praseodímio, promécio, samário, európio, gadolínio, térbio, disprósio, hólmio, érbio, túlio, itérbio, escândio e lutécio.
Apesar do nome sugerir, esses metais não são tão raros como o ouro, por exemplo.
Se, até poucos anos atrás, não compensava para o Brasil entrar no setor, por não haver condições de competição com a China, o potencial das reservas brasileiras e o aumento dos preços das terras raras no mercado internacional podem tornar o negócio economicamente viável, defende o diretor do IPT.
Preços em disparada
Em média, os preços das terras raras no mercado internacional praticamente triplicaram nos últimos anos, segundo Landgraf.
O óxido de neodímio, que em janeiro de 2009 custava US$ 15 o quilograma, em janeiro de 2011 atingiu o valor de US$ 150 o quilograma.
"Na hora em que o preço sobe tanto, o que não era economicamente viável há três anos pode se tornar viável no presente. E o Brasil está na posição de ter a maior reserva de terras raras no planeta", aponta.
Algumas reservas do Brasil são bem conhecidas, particularmente as de fosfato em Poços de Caldas, Araxá e Catalão. As terras raras estão contidas nos rejeitos da mineração de fosfato. "São minas que não estão mais na fase de pesquisa mineral, mas de pesquisa de viabilidade econômica: sabemos quanto tem, mas é viável economicamente concentrar?", explica Landgraf.
Os chamados superimãs, usados nos geradores de energia eólica e nos motores miniaturizados, são feitos de neodíminio, um dos componentes da família das terras raras. [Imagem: CREMC]
A China e as terras raras
O aumento de preços das terras raras está diretamente relacionado ao que ocorreu no mercado chinês, explica Landgraf. A preocupação com o meio ambiente aumentou muito na China nos anos mais recentes e o governo tem pressionado as empresas a melhorarem suas práticas.
Os produtores de terras raras estão sendo duramente atingidos, pois é uma atividade que causa elevado impacto ambiental na China. "Quando o governo chinês pressionou para organizar o aspecto ambiental da produção, muitas minas e pequenas empresas de processamento fecharam, diminuindo a oferta", acrescenta.
Além dessa contração no fornecimento, o mercado chinês não pára de crescer e o consumo de terras raras da China aumentou muito mais do que o consumo do resto do mundo.
"A China era exportadora porque não consumia muito, mas o aumento da demanda interna faz sobrar menos terras raras para serem exportadas", aponta. Há suspeita também de que os chineses estão adotando cotas de exportação, o que motiva outros países a comprarem mais desses minérios para estocar.
No ano passado, a China deu uma amostra de seu controle sobre o fornecimento de terras raras: embargou as exportações de terras raras para o Japão, em represália pela prisão de um comandante de um barco de pesca chinês em uma área marítima disputada por ambos os países. Os japoneses tiveram problemas, já que sua indústria é sustentada em produtos de alta tecnologia que usam as terras raras.
Diante desse panorama, os Estados Unidos, por exemplo, já elegeram as terras raras como recursos críticos para sua economia, igualmente baseada na produção e venda de produtos de alto conteúdo tecnológico. A empresa Molycorp Minerals, com operações na Califórnia, está investindo US$ 200 milhões para recolocar sua fábrica em operação.
Terras raras no Brasil
No Brasil também se observa alguma movimentação. Na época, quando o ministro da Ciência e Tecnologia, era Aloizio Mercadante, este conversou com a Vale sobre a possibilidade de a mineradora entrar no negócio, algo que precisaria do apoio do governo, de condições de financiamento favoráveis, melhoria no transporte e logística e de investimentos em P&D para que o empreendimento possa competir com a produção chinesa, como apontou reportagem do jornal Valor Econômico de 11 de maio de 2011.
"Cerca de 10 empresas no Brasil estão discutindo o tema [entrar na produção de terras raras]. A Vale é citada por ser a maior, mas há outras interessadas, que não se manifestam publicamente", conta o diretor do IPT.
Outra iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) está na negociação de um acordo de cooperação técnica em inovação com a Alemanha, pelo qual a projetos-pilotos de produção de superimãs, que usam terras raras, o que receberia apoio do Instituto Fraunhofer, conforme a citada reportagem do jornal paulista.
Outra iniciativa do governo, e que ganhou pouco destaque até agora, é a da empresa CPRM Serviços Geológicos do Brasil, vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME). Ela começou a executar em 2011 o projeto Avaliação do Potencial dos Minerais Estratégicos do Brasil, que vai identificar novas áreas em todo o território brasileiro onde pode haver ocorrência de terras raras. O projeto deve durar três anos e receber R$ 18,5 milhões em recursos, vindos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Somente em 2011 o governo planejou investir quase R$ 2,4 milhões no projeto, segundo a CPRM.
Tecnologia para exploração das terras raras
Landgraf afirma que as tecnologias para mineração e processamento de terras são dominadas.
"A gente já soube fazer, no passado, e temos competência para produzir terras raras. Não há um desafio tecnológico intransponível", prossegue.
Ele recorda que o Brasil fez superimãs na década de 90. "Havia cinco grupos de pesquisa, pelo menos, fazendo superimãs, isso foi meu tema no doutorado. Chegamos a ter uma empresa produzindo superimãs; ela quebrou em 1994", comenta.
Para o diretor do IPT, o problema é econômico. "A questão é saber se alguém tem cacife para montar uma empresa no Brasil, ou se podemos fazer um conjunto de empresas entrar no ramo, e enfrentar um possível dumping chinês", analisa.
Do ponto de vista da pesquisa e do desenvolvimento, Landgraf explica que seria preciso estudar a produção em escala industrial. "A gente fez coisas em escala laboratorial, não em escala comercial. Então, se houver decisão empresarial e do governo e o País entrar nesse setor, o próximo desafio é fazer a escala piloto dos processos para chegar à escala industrial", diz.
Ele acrescenta que hoje o Brasil tem instrumento para financiar as plantas industriais previstas em projetos de P&D que operem em escala piloto, como é o caso do Funtec, programa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Tecnologia para o uso
Landgraf defende que o Brasil não seja um mero exportador de minerais, mas que desenvolva toda a cadeia de produção. Começa com a mineração e concentração das terras raras, etapas de menor valor na cadeia. A seguir passa pela indústria química, responsável por fazer a etapa de separação.
"Não existe imã de terras raras, existe imã de neodímio. As terras raras são quimicamente parecidas, então precisa separar uma da outra", explica. "A tecnologia necessária é relativamente sofisticada, mas sabemos fazer em universidades e institutos de pesquisa", prossegue.
Ele comenta que, no passado, havia grupos de pesquisa na USP, no Cetem, e em outros centros que faziam, em laboratório, a separação, mas tudo se desarticulou nos anos 1990, quando a China começou a praticar preços baixos no mercado internacional. "São Paulo tem tradição nisso, tínhamos a empresa Orquima, que depois foi adquirida pela Nuclebras e passou a se chamar Nuclemon, posteriormente incorporada pela Indústrias Nucleares do Brasil (INB)", recorda.
O mercado para venda de terras raras é crescente. Hoje, o mundo consome 150 mil toneladas por ano de terras raras, de acordo com o diretor do IPT. O neodímio, elemento químico mais usado dentro desse grupo, está presente nos superimãs. Estes, por sua vez, são cada vez mais usados em motores que precisam ter dimensões pequenas, como os que regulam bancos e espelhos em automóveis mais luxuosos.
"São imãs que permitem miniaturizar os motores. Esse mercado vai crescer muito", aponta Landgraf. O gerador de energia eólica pode ser feito com os superimãs, outro nicho de aplicação que se expande com a necessidade de fontes renováveis de energia.
O lantânio é usado para fabricar gasolina. Numa das etapas de produção do combustível na refinaria, os gases passam por cima de um catalisador de óxido de lantânio, que promove a junção das moléculas que formam a gasolina. "O Brasil consome 1.000 toneladas por ano de lantânio. Não é um grande mercado, mas se não tivermos lantânio, não fabricamos gasolina. Somos dependentes da China", destaca.
Os outros 12 elementos que formam o grupo terras raras são usados em menor quantidade em várias aplicações. O óxido de cério, por exemplo, é usado para polir lentes de óculos.
Nos LEDs brancos, que estão substituindo as lâmpadas fluorescentes porque consomem menos energia, também se usa óxidos de terras raras. "O laser é verde, azul ou vermelho. Para obter a luz branca, o laser bate numa camada fluorescente branca e quem gera essa luz branca é uma mistura de óxidos de terras raras aplicada aos LEDs", explica. "Se o mercado de LEDs for crescer como indicam as projeções, será preciso muita terra rara", afirma.
Fonte: Publicado originalmente em Inovação Tecnológica
Janaína Simões - Inova Unicamp