As 7 Maravilhas da Natureza eleitas pela New7Wonders

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A América do Sul ganhou com a Floresta Amazônica e a Foz do Iguaçú

domingo, fevereiro 02, 2020

O “Acordo de Escazú”, um legítimo instrumento de defesa da democracia ambiental, e pode tornar-se o farol que incindirá luz sobre o futuro dos povos e governos dos países da América Latina e Caribe, em especial do Brasil.


*Dinalva Heloiza

Aos que já se deliciaram com a leitura da “Teoria de Gaia”, também conhecido como a “Hipótese de Gaia”, do admirável James Lovelock, cientista e pesquisador britânico, possivelmente perceberam a intensidade de quando ele descreve a Terra como sendo um único organismo vivo, com capacidade auto sustentável à  vida, e sem dúvida entenderá a importância de um instrumento em defesa ao ambiente e aos seus defensores.

Lovelock, bem utilizou a metáfora "entidade viva", para definir os processos biológicos atuantes no planeta, onde as criaturas concorrem para controlar uma variedade de componentes do sistema inorgânico, tais como, a temperatura do globo, composição do solo e atmosfera, salinidade dos oceanos e mares e outros aspectos que podem ser comparados aos processos internos de um ser vivo, como a regulação da temperatura corporal, a composição sanguínea e outros.

A Hipótese de Gaia difundiu-se como um brilhante princípio organizador ao reunir pessoas que normalmente não dialogavam entre si, a exemplo dos biólogos, geoquímicos e cientistas da atmosfera, os conduzindo a questionamentos do tipo 'como chegamos até aqui?' ou 'como funciona o mecanismo da vida?'.

Em seu nível mais essencial, a Teoria de Lovelock forçou geólogos e biólogos a enfrentarem a pergunta: “Quão importante é a vida para a evolução e funcionamento da Terra?".

Com essa discussão, a hipótese estava sendo largamente debatida na comunidade científica, nos governos, nas academias, e mais recente ecoando em toda a sociedade global.



Uma abordagem da vida na perspectiva de Gaia, sem dúvida abre novas portas à nossa percepção e amplia ainda mais a unidade de uma visão que ascende a interdependência de todas as coisas do mundo natural.

Há, nesse relacionamento, uma qualidade sinfônica, uma qualidade que transmite uma magnificência indizível. Quando você se coloca em um penhasco à beira de um rio, durante uma chuva, e observa as massas de nuvens cinzentas rolando, uma visão Gaia ajuda a entender a nuvem em seu contexto global. Ela se forma devido a imensas forças climáticas e se manifesta em um pequeno ponto do todo — o ponto em que você está. 

A água da nuvem circula ao longo do ciclo da água, desde a chuva até o rio, do rio para o mar, do mar de volta para a nuvem. À medida que você experimenta esta realidade dinâmica e sempre mutante, você pode subitamente se encontrar em um estado de contemplação e interação, um estado em que você perde o senso do ser em entidade separada, e passa à ser totalmente envolvida pelo processo vital que contempla.

O contemplado e o contemplador se tornam um só. Dessa unidade surge uma apreciação profunda da realidade da interdependência, e disso nasce a urgência de se envolver no combate a todo tipo de abuso contra a natureza. Disso nasce o sentimento de que, o que eventualmente acontece na evolução, sem dúvida detém um grande valor e um significado impossível de articular ou descobrir através do reducionismo da metodologia científica.

Essa sensibilidade altamente desenvolvida, essa experiência de conectividade radical, é a marca dos apoiadores em defesa a preservação do meio ambiente, dos recursos ambientais e naturais, na defesa de uma ecologia e economia em profunda interdependência e correlação, e essa passa a ser a base para a elaboração de qualquer manifestos em defesa a preservação ecológica.

E instrumentos legais que nos permitam o enfrentamento das vulnerabilidades desse sistema urge há tempos!

Delegados dos países presentes à nona reunião do Comitê de Negociação do Acordo Regional sobre o Princípio 10, em São José, na Costa Rica

Em 2015, com a aprovação da Agenda 2030, pela Organização das Nações Unidas, estabeleceu-se um alinhamento global entre governos, setor privado e sociedade civil, em razão do imperativo em urgência a erradicação da pobreza, proteção ao planeta e garantia de que as pessoas alcancem a paz e a prosperidade. Com essa Agenda, a perspectiva de um novo cenário em governança pública, os estados-membros das Nações Unidas, traçaram um caminho com maior dignidade, prosperidade e sustentabilidade para as pessoas e o planeta, e se comprometeram a não deixar ninguém pra trás.

Em apoio a esse caminho que busca estabelecer o desenvolvimento mais igualitário, inclusivo e sustentável, os países da América Latina e do Caribe contam hoje com um instrumento multilateral e sem precedentes - o Acordo Regional sobre o Acesso à Informação, à Participação Pública e o Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais, agora conhecido como o “Acordo de Escazú”.

O nome é uma homenagem à cidade de Escazú, na Costa Rica, onde o acordo foi adotado em março de 2018, e deriva da palavra indígena "Izt-kat-zu" o que significa "pedra de descanso".

O “Acordo de Escazú” - oferece aos países da América Latina e Caribe, uma plataforma pioneira para avançar rumo ao acesso pleno à informação, à participação além da consulta e da justiça ambiental, e mais, na preservação da vida dos defensores ambientais.

O Acordo resulta de um processo intergovernamental aberto, transparente e participativo, que permite a aplicação do Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ocorreu em 1992.

A origem do Acordo remonta à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), de 2012, e se concretiza após dois anos de reuniões preparatórias (2012-2014) e nove reuniões do Comitê de Negociação estabelecido em 2014.  A negociação foi liderada por uma mesa diretiva, formada por Chile e Costa Rica à frente da co-presidência, e Argentina, México, Peru, São Vicente e Ilhas Granadinas e Trinidad e Tobago na vice-presidência.

Após a adoção do Acordo Regional, o relator especial das Nações Unidas sobre direitos humanos e meio ambiente destacou ser este, um dos tratados ambientais e de direitos humanos mais importantes das duas últimas décadas. O Acordo sinaliza o reconhecimento cada vez maior de que os direitos de acesso constituem parte central da relação entre meio ambiente e direitos humanos.

Assim, o acesso à informação, à participação e à justiça em assuntos ambientais possibilita o estabelecimento de políticas de proteção ambientais mais transparentes e com maior ênfase na informação, o que por sua vez, contribui com a concretização de outros direitos humanos essenciais, como o direito à vida, à saúde e à alimentação.

A fim de combater a desigualdade e avançar na direção de sociedades mais pacíficas, justas e sustentáveis, é necessário garantir a todos os cidadãos os direitos do acesso à informação, participação e justiça em assuntos ambientais. Esses direitos não só permitem uma adequada abordagem dos problemas ambientais que afetam desproporcionalmente pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade, como também permitem que as necessidades desses grupos sejam levadas em conta nas políticas públicas, assegurando que ninguém seja excluído – tal qual reivindica a Agenda 2030.

Um dos temas de especial preocupação que surgiu durante as negociações do Acordo Regional foi a necessidade de garantir um ambiente seguro e propício aos defensores de direitos humanos em temas ambientais. Várias pesquisas indicam que a América Latina é a região mais arriscada do mundo para aqueles que defendem os direitos ao território e ao meio ambiente, bem como o acesso a terra.

Nesse sentido, tanto os relatores especiais das Nações Unidas sobre a situação desses defensores quanto a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) têm convocado os governos da região a adotarem medidas de proteção para os defensores de direitos humanos, do meio ambiente, da terra e do território. Atenção especial deve ser dada à prevenção e investigação de ataques contra esses defensores, de modo que sua segurança possa ser garantida e, assim, também a continuidade de seu trabalho. Todos esses desafios figuram como conteúdo do Acordo Regional adotado em Escazú.

Principais Elementos do Acordo Regional

O Acordo dita sob 26 artigos. O primeiro deles estabelece que seu objetivo seja garantir a implementação plena e eficaz, na América Latina e Caribe, dos direitos de acesso à informação ambiental, participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais e acesso à justiça nesse campo. Também considera o fortalecimento das capacidades e cooperação necessárias ao desenvolvimento sustentável e a preservação do meio ambiente as gerações presentes e futuras.

O Acordo reconhece e explicita o vínculo entre os direitos de acesso, a democracia, o desenvolvimento sustentável e os direitos humanos. Foca nas pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade social, a fim de eliminar as barreiras enfrentadas por determinadas populações no exercício de seus direitos em condições de igualdade, sem discriminação.

Fundamentalmente, o acordo estabelece obrigações dos países para com seu próprio povo, mas também estabelece obrigações entre as nações em termos de cooperação e capacitação, a fim de criar um padrão comum para a aplicação desses direitos. Incorpora, ainda, uma disposição específica em garantia a proteção dos defensores de direitos humanos na área ambiental.

Acordo vinculante e sem reservas

Um dos seus principais pontos e com certeza, um dos mais positivos do acordo é sua natureza vinculante, o que significa que ele terá status de lei nos países que o assinarem. A decisão é crucial para que as medidas previstas sejam estabelecidas de forma efetiva, um fator que gerou impasses a reunião na Costa Rica.

Outra conquista diz respeito à ausência de “reservas” no acordo, o que significa que todos os artigos acordados precisam ser adotados por seus signatários sem exceção, em consonância com o que afirmam os padrões internacionais para os acordos de direitos humanos.

O “Acordo de Escazú” é também, o primeiro tratado internacional que determina ações específicas a serem realizadas pelos Estados visando a proteção dos defensores ambientais. Na lista das obrigações a serem seguidas consta a adoção de medidas que visam responsabilizar perpetradores de ataques contra esses defensores e a garantia de um ambiente seguro a promoção de direitos humanos em assuntos ambientais.

Igualmente importante foi a definição sobre quem deverá fornecer informações relativas a questões ambientais, obrigação que caberá não apenas a órgãos públicos, mas também a empresas privadas que recebam fundos públicos ou desempenhem funções públicas.

O acordo do Princípio 10 pode representar um importante instrumento para reverter o cenário de graves problemas que afetam a América Latina e Caribe, como contaminações e desmatamento, muitos dos quais resultado de obras e atividades produtivas que geram grandes impactos socioambientais, à exemplo das hidrelétricas e o setor da mineração.

Além disso, no caso do Brasil, é especialmente importante o fato de o acordo prever medidas específicas para a proteção de defensores ambientais, uma vez que, nos últimos anos, o país registrou um dos mais elevados índices em assassinatos de ativistas ambientais, na região.

Passos seguintes 

Após sua Adoção em março de 2018, o Acordo foi colocado para a assinatura durante a Assembleia Geral da ONU, pelos 33 países membros da região, e para entrar em vigor, o acordo precisava da assinatura de 11 Estados-partes.

A assinatura por estados-partes ocorreu durante a 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas, que aconteceu na sede da ONU – em Nova York, durante o período de 18 de setembro a 05 de outubro de 2018.  O debate de alto nível decorreu entre 25 de setembro e 01 de outubro, com a participação de chefes de Estado e de governo dos 193 países-membros da organização.  Até recentemente pelo menos 15 estados membros da região da América Latina e Caribe, incluindo o Brasil, já assinaram o Acordo de Escazú.

A partir desse momento, e até 26 de setembro de 2020, poderá ser ratificado, levando em conta que os procedimentos variam segundo os requisitos nacionais de cada país. Após essa data, os países poderão aderir ao Acordo (ou seja, passo único, assinatura e ratificação conjunta). Assim como destaca o Artigo 22, o Acordo entrará em vigor 90 dias após ser depositado o 11º instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão.

Reflexões finais

Buscando garantir o direito das gerações presentes e futuras a um meio ambiente saudável e ao desenvolvimento sustentável, o Acordo de Escazú aponta para o fortalecimento de capacidades e reforça a cooperação entre os países da região. Também, traduz nossas prioridades e aspirações comuns e demonstra a vigência do multilateralismo regional para o desenvolvimento sustentável.

E a região tem boas razões para se orgulhar desse instrumento: além de ser o único tratado oriundo da Conferência Rio+20, é o primeiro tratado regional ambiental da América Latina e do Caribe e o único de seu tipo em conter disposições específicas para a promoção e a proteção dos defensores de direitos humanos em assuntos ambientais. Isso é de especial relevância em uma das regiões mais críticas para aqueles que defendem o ambiente e a terra.

Nesse sentido, vale lembrar que foi durante a Cúpula da Terra do Rio de Janeiro, em 1992, onde foram idealizados os três principais tratados ambientais multilaterais das Nações Unidas (mudança climática, biodiversidade e desertificação). Depois de 26 anos, nossa região volta a ser protagonista da história que tenta escrever suas linhas em defesa ao patrimônio natural da humanidade, e nosso bem comum, o meio ambiente.

*Dinalva Heloiza, é Jornalista – RT 3231, Publicitária e Voluntária da Organização das Nações Unidas pelo UNV – Programa de Voluntários das Nações Unidas.

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