*Dinalva Heloiza
Aos que já se deliciaram com a
leitura da “Teoria de Gaia”, também conhecido como a “Hipótese de Gaia”, do
admirável James Lovelock, cientista e
pesquisador britânico, possivelmente perceberam a intensidade de quando ele
descreve a Terra como sendo um único organismo vivo, com capacidade auto
sustentável à vida, e sem dúvida entenderá
a importância de um instrumento em defesa ao ambiente e aos seus defensores.
Lovelock, bem utilizou a metáfora
"entidade viva", para definir os processos biológicos atuantes no
planeta, onde as criaturas concorrem para controlar uma variedade de
componentes do sistema inorgânico, tais como, a temperatura do globo,
composição do solo e atmosfera, salinidade dos oceanos e mares e
outros aspectos que podem ser comparados aos processos internos de um ser vivo,
como a regulação da temperatura corporal, a composição sanguínea e outros.
A Hipótese de Gaia difundiu-se
como um brilhante princípio organizador ao reunir pessoas que normalmente não
dialogavam entre si, a exemplo dos biólogos, geoquímicos e cientistas da
atmosfera, os conduzindo a questionamentos do tipo 'como chegamos até aqui?' ou
'como funciona o mecanismo da vida?'.
Em seu nível mais essencial, a Teoria de Lovelock forçou geólogos e
biólogos a enfrentarem a pergunta: “Quão importante é a vida para a evolução e
funcionamento da Terra?".
Com essa discussão, a hipótese
estava sendo largamente debatida na comunidade científica, nos governos, nas
academias, e mais recente ecoando em toda a sociedade global.
Uma abordagem da vida na
perspectiva de Gaia, sem dúvida abre novas portas à nossa percepção e amplia
ainda mais a unidade de uma visão que ascende a interdependência de todas as
coisas do mundo natural.
Há, nesse relacionamento, uma
qualidade sinfônica, uma qualidade que transmite uma magnificência indizível.
Quando você se coloca em um penhasco à beira de um rio, durante uma chuva, e
observa as massas de nuvens cinzentas rolando, uma visão Gaia ajuda a entender
a nuvem em seu contexto global. Ela se forma devido a imensas forças climáticas
e se manifesta em um pequeno ponto do todo — o ponto em que você está.
A água da nuvem circula ao longo do ciclo da água, desde a chuva até o rio, do rio para o mar, do mar de volta para a nuvem. À medida que você experimenta esta realidade dinâmica e sempre mutante, você pode subitamente se encontrar em um estado de contemplação e interação, um estado em que você perde o senso do ser em entidade separada, e passa à ser totalmente envolvida pelo processo vital que contempla.
O contemplado e o contemplador se
tornam um só. Dessa unidade surge uma apreciação profunda da realidade da
interdependência, e disso nasce a urgência de se envolver no combate a todo
tipo de abuso contra a natureza. Disso nasce o sentimento de que, o que
eventualmente acontece na evolução, sem dúvida detém um grande valor e um
significado impossível de articular ou descobrir através do reducionismo
da metodologia científica.
Essa sensibilidade altamente
desenvolvida, essa experiência de conectividade radical, é a marca dos
apoiadores em defesa a preservação do meio ambiente, dos recursos ambientais e
naturais, na defesa de uma ecologia e economia em profunda interdependência e
correlação, e essa passa a ser a base para a elaboração de qualquer manifestos
em defesa a preservação ecológica.
E instrumentos legais que nos
permitam o enfrentamento das vulnerabilidades desse sistema urge há tempos!
Em 2015, com a aprovação da
Agenda 2030, pela Organização das Nações Unidas, estabeleceu-se um alinhamento global
entre governos, setor privado e sociedade civil, em razão do imperativo em
urgência a erradicação da pobreza, proteção ao planeta e garantia de que as
pessoas alcancem a paz e a prosperidade. Com essa Agenda, a perspectiva de um
novo cenário em governança pública, os estados-membros das Nações Unidas, traçaram
um caminho com maior dignidade, prosperidade e sustentabilidade para as pessoas
e o planeta, e se comprometeram a não deixar ninguém pra trás.
Em apoio a esse caminho que busca
estabelecer o desenvolvimento mais igualitário, inclusivo e sustentável, os
países da América Latina e do Caribe contam hoje com um instrumento
multilateral e sem precedentes - o Acordo Regional sobre o Acesso à Informação,
à Participação Pública e o Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais, agora conhecido
como o “Acordo de Escazú”.
O nome é uma homenagem à cidade
de Escazú, na Costa Rica, onde o acordo foi adotado em março de 2018, e deriva da
palavra indígena "Izt-kat-zu" o que significa "pedra de
descanso".
O “Acordo de Escazú” - oferece aos
países da América Latina e Caribe, uma plataforma pioneira para avançar rumo ao
acesso pleno à informação, à participação além da consulta e da justiça
ambiental, e mais, na preservação da vida dos defensores ambientais.
O Acordo resulta de um processo
intergovernamental aberto, transparente e participativo, que permite a
aplicação do Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, que ocorreu em 1992.
A origem do Acordo remonta à
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), de
2012, e se concretiza após dois anos de reuniões preparatórias (2012-2014) e
nove reuniões do Comitê de Negociação estabelecido em 2014. A negociação foi liderada por uma mesa
diretiva, formada por Chile e Costa Rica à frente da co-presidência, e
Argentina, México, Peru, São Vicente e Ilhas Granadinas e Trinidad e Tobago na
vice-presidência.
Após a adoção do Acordo Regional,
o relator especial das Nações Unidas sobre direitos humanos e meio ambiente
destacou ser este, um dos tratados ambientais e de direitos humanos mais
importantes das duas últimas décadas. O Acordo sinaliza o reconhecimento cada
vez maior de que os direitos de acesso constituem parte central da relação
entre meio ambiente e direitos humanos.
Assim, o acesso à informação, à
participação e à justiça em assuntos ambientais possibilita o estabelecimento
de políticas de proteção ambientais mais transparentes e com maior ênfase na
informação, o que por sua vez, contribui com a concretização de outros direitos
humanos essenciais, como o direito à vida, à saúde e à alimentação.
A fim de combater a desigualdade
e avançar na direção de sociedades mais pacíficas, justas e sustentáveis, é
necessário garantir a todos os cidadãos os direitos do acesso à informação,
participação e justiça em assuntos ambientais. Esses direitos não só permitem
uma adequada abordagem dos problemas ambientais que afetam desproporcionalmente
pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade, como também permitem que as
necessidades desses grupos sejam levadas em conta nas políticas públicas,
assegurando que ninguém seja excluído – tal qual reivindica a Agenda 2030.
Um dos temas de especial
preocupação que surgiu durante as negociações do Acordo Regional foi a
necessidade de garantir um ambiente seguro e propício aos defensores de
direitos humanos em temas ambientais. Várias pesquisas indicam que a América
Latina é a região mais arriscada do mundo para aqueles que defendem os direitos
ao território e ao meio ambiente, bem como o acesso a terra.
Nesse sentido, tanto os relatores
especiais das Nações Unidas sobre a situação desses defensores quanto a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) têm convocado os governos da
região a adotarem medidas de proteção para os defensores de direitos humanos,
do meio ambiente, da terra e do território. Atenção especial deve ser dada à
prevenção e investigação de ataques contra esses defensores, de modo que sua
segurança possa ser garantida e, assim, também a continuidade de seu trabalho.
Todos esses desafios figuram como conteúdo do Acordo Regional adotado em
Escazú.
Principais Elementos do Acordo
Regional
O Acordo dita sob 26 artigos. O
primeiro deles estabelece que seu objetivo seja garantir a implementação plena
e eficaz, na América Latina e Caribe, dos direitos de acesso à informação
ambiental, participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais
e acesso à justiça nesse campo. Também considera o fortalecimento das
capacidades e cooperação necessárias ao desenvolvimento sustentável e a
preservação do meio ambiente as gerações presentes e futuras.
O Acordo reconhece e explicita o
vínculo entre os direitos de acesso, a democracia, o desenvolvimento
sustentável e os direitos humanos. Foca nas pessoas e grupos em situação de
vulnerabilidade social, a fim de eliminar as barreiras enfrentadas por
determinadas populações no exercício de seus direitos em condições de
igualdade, sem discriminação.
Fundamentalmente, o acordo
estabelece obrigações dos países para com seu próprio povo, mas também
estabelece obrigações entre as nações em termos de cooperação e capacitação, a
fim de criar um padrão comum para a aplicação desses direitos. Incorpora,
ainda, uma disposição específica em garantia a proteção dos defensores de
direitos humanos na área ambiental.
Acordo vinculante e sem reservas
Um dos seus principais pontos e
com certeza, um dos mais positivos do acordo é sua natureza vinculante, o que
significa que ele terá status de lei nos países que o assinarem. A decisão é
crucial para que as medidas previstas sejam estabelecidas de forma efetiva, um
fator que gerou impasses a reunião na Costa Rica.
Outra conquista diz respeito à
ausência de “reservas” no acordo, o que significa que todos os artigos
acordados precisam ser adotados por seus signatários sem exceção, em
consonância com o que afirmam os padrões internacionais para os acordos de
direitos humanos.
O “Acordo de Escazú” é também, o
primeiro tratado internacional que determina ações específicas a serem
realizadas pelos Estados visando a proteção dos defensores ambientais. Na lista
das obrigações a serem seguidas consta a adoção de medidas que visam
responsabilizar perpetradores de ataques contra esses defensores e a garantia
de um ambiente seguro a promoção de direitos humanos em assuntos ambientais.
Igualmente importante foi a
definição sobre quem deverá fornecer informações relativas a questões
ambientais, obrigação que caberá não apenas a órgãos públicos, mas também a
empresas privadas que recebam fundos públicos ou desempenhem funções públicas.
O acordo do Princípio 10 pode
representar um importante instrumento para reverter o cenário de graves
problemas que afetam a América Latina e Caribe, como contaminações e
desmatamento, muitos dos quais resultado de obras e atividades produtivas que
geram grandes impactos socioambientais, à exemplo das hidrelétricas e o setor
da mineração.
Além disso, no caso do Brasil, é
especialmente importante o fato de o acordo prever medidas específicas para a
proteção de defensores ambientais, uma vez que, nos últimos anos, o país
registrou um dos mais elevados índices em assassinatos de ativistas ambientais,
na região.
Passos seguintes
Após sua Adoção em março de 2018,
o Acordo foi colocado para a assinatura durante a Assembleia Geral da ONU,
pelos 33 países membros da região, e para entrar em vigor, o acordo precisava da
assinatura de 11 Estados-partes.
A assinatura por estados-partes
ocorreu durante a 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas, que aconteceu na sede
da ONU – em Nova York, durante o período de 18 de setembro a 05 de outubro de
2018. O debate de alto nível decorreu
entre 25 de setembro e 01 de outubro, com a participação de chefes de
Estado e de governo dos 193 países-membros da organização. Até recentemente pelo menos 15 estados membros da
região da América Latina e Caribe, incluindo o Brasil, já assinaram o Acordo de
Escazú.
A partir desse momento, e até 26 de setembro de 2020, poderá ser ratificado, levando em conta que os procedimentos variam segundo os requisitos nacionais de cada país. Após essa data, os países poderão aderir ao Acordo (ou seja, passo único, assinatura e ratificação conjunta). Assim como destaca o Artigo 22, o Acordo entrará em vigor 90 dias após ser depositado o 11º instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão.
Reflexões finais
Buscando garantir o direito das
gerações presentes e futuras a um meio ambiente saudável e ao desenvolvimento sustentável,
o Acordo de Escazú aponta para o fortalecimento de capacidades e reforça a
cooperação entre os países da região. Também, traduz nossas prioridades e
aspirações comuns e demonstra a vigência do multilateralismo regional para o
desenvolvimento sustentável.
E a região tem boas razões para se
orgulhar desse instrumento: além de ser o único tratado oriundo da Conferência Rio+20,
é o primeiro tratado regional ambiental da América Latina e do Caribe e o único
de seu tipo em conter disposições específicas para a promoção e a proteção dos
defensores de direitos humanos em assuntos ambientais. Isso é de especial
relevância em uma das regiões mais críticas para aqueles que defendem o
ambiente e a terra.
Nesse sentido, vale lembrar que
foi durante a Cúpula da Terra do Rio de Janeiro, em 1992, onde foram
idealizados os três principais tratados ambientais multilaterais das Nações
Unidas (mudança climática, biodiversidade e desertificação). Depois de 26 anos,
nossa região volta a ser protagonista da história que tenta escrever suas
linhas em defesa ao patrimônio natural da humanidade, e nosso bem comum, o meio
ambiente.
*Dinalva Heloiza, é Jornalista – RT 3231, Publicitária e Voluntária da
Organização das Nações Unidas pelo UNV – Programa de Voluntários das Nações
Unidas.
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