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sexta-feira, março 07, 2025

Transformação Urbana e Sustentabilidade - Em Entrevista - A Visão da Especialista professora Maria Ester de Souza, nos alerta para a necessidade de um novo modelo em gestão pública em Goiânia!

 

Dinalva Heloiza


Maria Ester de Souza é, sem dúvida, um dos grandes nomes de especialistas em políticas públicas em cenário goiano. Com uma sólida formação acadêmica e uma carreira dedicada ao desenvolvimento urbano e ambiental, ela se destaca como professora na Escola Politécnica de Artes da PUC-GO, além de doutora em Geografia Urbana pela UFG. Sua expertise vai além da academia - Maria Ester também é arquiteta e urbanista, atuando na elaboração de projetos de arquitetura, paisagismo e planos urbanos, incluindo planos diretores e consultoria para legislação urbanística.

Ativa no terceiro setor, ela contribui de forma significativa para a preservação ambiental como militante na ONG ARCA – Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente. No campo político, Maria Ester foi uma peça-chave nas duas gestões do prefeito Maguito Vilela, em 2009 e 2012, onde atuou como arquiteta na Secretaria do Meio Ambiente de Aparecida de Goiânia (SEMMA).

Além disso, sua atuação como conselheira do CAU/GO é marcante, com contribuições importantes para as políticas públicas dos conselhos municipais COMPUR e do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de Goiânia.

E diante dos grandes desafios com que Goiânia, uma das capitais mais jovens em cenário nacional se depara em tempos atuais, a professora Maria Ester nos apresenta nesta entrevista uma sólida visão das necessidades mais urgentes em políticas públicas que visam sanar e/ou minimizar as inúmeras demandas que emergem em nosso território, o que depende em muito de uma boa vontade política e o compromisso público em combate às desigualdades que permeiam a cidade.

Hoje, ela se junta a nós para discutir questões cruciais sobre o cenário atual das políticas públicas em Goiânia, especialmente no contexto da nova gestão do prefeito Sandro Mabel. Acompanhe esta entrevista e descubra as perspectivas e desafios que Maria Ester nos traz sobre o futuro da nossa capital.

Dinalva Heloiza: - Maria Ester, em uma reportagem publicado no caderno Magazine de O Popular – antes das eleições - você mencionou a importância de uma gestão responsável que elabore projetos alinhados com a preservação do Patrimônio Histórico de Goiânia, em áreas do Art Déco. Quais seriam, na sua opinião, as intervenções mais urgentes que a cidade necessitaria em relação a estes espaços, para que sejam preservados de forma eficaz e não apenas “maquiado”?

Maria Ester – Em primeiro lugar se estamos falando de gestão responsável e com projetos de preservação, devemos ter uma pasta (na Secretaria de Cultura) na prefeitura que tenha orçamento para tais projetos. A preservação nada mais é que um conjunto de medidas que monitorem, avaliem e planeje obras que visem manter as edificações tombadas (ou não) com suas características originais. A “eficácia” de uma intervenção do tipo restauração para preservação é diretamente proporcional a qualidade dos projetos e tecnologias empregadas (vide atualmente a reconstrução da Catedral de Notre-Dame de Paris). O que chamamos de maquiagem, ou seja, intervenções de fachada, pinturas superficiais, podem até prejudicar o futuro de monumentos e edificações históricas e é uma pratica que deve ser condenada. Penso que já passa a hora de gestores serem responsabilizados criminalmente pela destruição da paisagem histórica.

O que considero uma intervenção urgente é o investimento no edifício do Grande Hotel. Lembro que ele não está isolado da via, da viela e do seu entorno, portanto um projeto que vise olhar para o conjunto do patrimônio no Centro da cidade que inclua suas ruas e, principalmente, a Avenida Goiás também me parece urgente.

Dinalva Heloiza - A preservação do Patrimônio Histórico e Cultural, também se reflete na identidade da cidade. Como você vê a relação entre a população goianiense e os espaços urbanos históricos? Quais estratégias você sugere para fortalecer essa identificação da população com o patrimônio da cidade?


Maria Ester
– Por ser cidade projetada no século 20, e estar situada no Centro-Oeste brasileiro, nossa identidade ainda está por ser construída. É como se estivéssemos na infância da urbanidade. Quem nasceu em Goiânia tem aproximadamente 70 anos e os filhos de seus filhos provavelmente não tiveram aula de História de Goiás nas escolas.  Entendo que desenvolvemos identidade a partir de uma relação forte com nossa história e é dever do Estado imprimir essa informação (nossa história) de forma clara, imparcial e sistemática.

Dito isso justifico minha observação de que a população goianiense não desenvolveu ainda uma relação forte o suficiente com o espaço urbano em que vivem, que poderiam (ou deveriam) imprimir uma identificação com esse lugar. O que aprendemos na escola e que nos remete a ideia de patrimônio histórico sempre está relacionado a espaços construídos antes do século 20, arquiteturas com ornamentos em ouro, palácios, igrejas monumentais. Nosso Centro histórico é desenhado com a perspectiva da modernidade, linhas retas e no máximo alguns poucos elementos Art Decó. Isso (construções modernas) aos olhos do cidadão comum pode não ter valor de preservação.

Temos ainda que quando o cidadão comum é o responsável pela gestão urbana, permite que a cidade seja constantemente demolida e reconstruída, sem considerar o desenho urbano e as edificações levantadas no início do surgimento da cidade. O exemplo mais claro é a intervenção do BRT no centro histórico, que descaracterizou totalmente a praça cívica e seus edifícios estão encobertos por plataformas de embarque. Poderia ser diferente.

Sugiro, para fortalecer essa identificação em gerações futuras, um conteúdo de arquitetura moderna nas escolas e a história de Goiânia nesse contexto, sendo aplicado diariamente durante todo ensino fundamental. Podemos ter também treinamento para o serviço público (vereadores, servidores, executivo, ...) sobre o tema. Não temos museus que contem a história da cidade, filmes, revistas ou material de fácil acesso que faça chegar à população esse conteúdo. Sem educação de qualidade não teremos história para contar, nem a partir da paisagem desconstruída da cidade.

Dinalva Heloiza - A especulação imobiliária tem sido apontada como um dos maiores desafios para Goiânia, principalmente pelos impactos de custos da moradia e na expansão desordenada. Em sua perspectiva quais as ações mais urgentes, o novo prefeito deve tomar para combater esse problema?

Maria Ester – Combater o problema da especulação imobiliária requer um tipo de visão de mundo e de cidade que os gestores atuais, e anteriores a estes, estão longe de atingir. Portanto combater o problema passa por mudar o modelo de gestão urbana, o ideal de cidade que os gestores imprimem em suas ações. Especular sobre a terra urbana só é possível com a anuência do poder público, seja ele o executivo, legislativo ou o judiciário. Isso quer dizer que os poderes sabem o que precisa ser feito, mas se organizam em associação com o mercado de imóveis e a indústria da construção civil, formatando uma cidade cuja pauta principal é fazer lucro. A visão de mundo de que tudo está à venda na cidade, inclusive espaços públicos e áreas verdes de proteção tem sido a tônica desde sua fundação.

Existe mais de um instrumento de política urbana capaz de conter a especulação e a desigualdade de acesso à terra urbana, mas é preciso que os poderes se empenhem em cumprir a lei. São instrumentos: o IPTU progressivo, o parcelamento e/ou uso compulsório de glebas não urbanizadas na cidade, desapropriação, regularização fundiária, concessão de direito real de uso, instalação de áreas especiais de interesse social. Não são utilizados pelas gestões anteriores e provavelmente a atual não irá se utilizar, uma vez que representam a democratização do acesso à terra e uma melhor distribuição dos espaços para habitação na cidade.

Dinalva Heloiza - A expansão sem controle na cidade tem gerado impactos negativos no meio ambiente e na qualidade de vida da população. Quais intervenções políticas, você crê poderiam equilibrar o desenvolvimento urbano com a sustentabilidade ambiental?

Maria Ester – Intervenções políticas no meu entendimento acontecem nas eleições e temos eleito negacionistas climáticos. Para equilibrar a questão ambiental e urbana seria preciso olhar para a urbanização como algo diferente do que se faz há cerca de 100 anos. Quando o modelo de cidade que vivemos começou a ser construído, os espaços naturais (rios, matas ciliares, florestas, morros, pântanos...) eram considerados elementos que atrapalhavam a cidade. Hoje, mesmo com eventos climáticos destruindo cidades inteiras, o negacionismo atrasa decisões que já deveriam ter sido tomadas desde décadas atrás, portanto uma intervenção será o bombardeamento de informações científicas sobre o tema.

O exemplo mais claro é o de ocupação de áreas de inundação de córregos e rios. Todos sabemos que não é adequado ocupar esses espaços, entretanto a própria câmara de vereadores de Goiânia aprovou projeto de lei (plano Diretor de 2022) autorizando a ocupação dessas áreas. O mesmo se vê com relação à expansão urbana, esse mesmo plano autoriza a transformação de áreas rurais em áreas urbanas para ocupação, sem critérios claros sobre os índices urbanísticos de preservação ambiental. A intervenção precisa ser de caráter educacional, convencendo os legisladores de que os danos causados por suas propostas podem ser irreversíveis. Há também que se imprimir regras mais rígidas sobre os crimes ambientais cometidos por esses legisladores. Não vemos políticos sendo presos por autorizarem desmatamento ou ocupação em áreas improprias.

Dinalva Heloiza - Questões que envolvem a mobilidade urbana é um tema recorrente em grandes cidades, e em Goiânia, um grande desafio, com um trânsito cada vez mais caótico e a infraestrutura inadequada, agravam esse cenário. Que tipo de intervenções você vê como essencial nesse contexto em Goiânia, visto ser uma grande metrópole com larga expansão demográfica?

Maria Ester – Penso que não há como pensar em intervenções que não sejam distribuídas em: medidas de urgência, médio e longo prazo. De urgência, a cidade precisa ser sinalizada e demarcada para o pedestre, ou seja, faixas de travessia no piso, botoeiras, sinalização tátil e sonora para pessoas com problemas auditivos e uma completa requalificação de calçadas, que penso ser obrigação da gestão pública fazer.

Para resultados em médio prazo, aumentar linhas de ônibus, aumentar número de ônibus para os usuários, transformar os pontos de ônibus em espaços tecnológicos, sustentáveis e agradáveis. Transformar os espaços de estacionamento ao longo das vias da cidade em espaços pagos, para que esse recurso se reverta em investimentos em mobilidade. Imprimir a obrigatoriedade de velocidade 30,0 km/h em todas as vias locais da cidade (as internas aos bairros). Integrar os programas de gestão das pastas de educação e de saúde com programas de mobilidade com intuito de reduzir o número de mortes no trânsito.

Em longo prazo é necessário que tenhamos a vontade de mudar a cultura de que o carro é nossa única e melhor forma de deslocamento. Andar a pé pode começar a ser divulgado, ensinado mesmo, como sendo uma das melhores práticas de mobilidade, pois afetam nossa saúde positivamente. Acontece que para isso a estrutura da cidade precisa mudar antes: calçadas acessíveis, distâncias de centros de serviços menores, mais arborização para sombrear os espaços de caminhada, ou seja, a longo prazo a cidade precisa ser reconstruída para o pedestre e assim melhorar as condições de mobilidade. Em segundo lugar e com uma estrutura melhorada para andar de ônibus, em longo prazo, a população começar a perceber que o veículo individual não é a única opção de conforto em deslocamento. Eu sou usuária do transporte coletivo mas por pura opção, quase uma excentricidade e realmente é sofrível. Os Ónibus são velhos, barulhentos, inseguros e são poucas as opões de linhas.

Enfim, o caos que vemos no trânsito, e que é problema de veículos individuais e seus motoristas, não findará se não educarmos a população para que as relações urbanas sejam mais civilizadas. Sempre haverá congestionamento quando toda população que trabalha se deslocar para casa e vice-versa, simultaneamente. O que pode melhorar essa situação é aceitar e cumprir as regras do código de trânsito, coisa que por aqui não é comum. A questão da mobilidade é complexa pois envolve cultura (comportamento), educação, saúde, urbanização, tecnologia e todos precisam estar com a mesma intenção na gestão.

Dinalva Heloiza - Goiânia já enfrenta desafios significativos relacionados à gestão das águas, como a poluição de recursos hídricos e mesmo escassez em algumas épocas. O que o novo prefeito municipal, em sua opinião, pode fazer para implementar uma gestão eficiente dos recursos hídricos e garantir que as futuras gerações tenham acesso a água limpa e potável?


Maria Ester – O
município de Goiânia é bem abastecido por água tratada em seus domicílios conforme publicação dos institutos de pesquisa. Para as futuras gerações os investimentos devem ser principalmente na manutenção dos ribeirões de abastecimento (suas nascentes e áreas de recarga). Nossa bacia de retenção do Ribeirão João Leite precisa também ser protegida da ocupação desordenada por chacareiros e possiblidades de abertura de usos recreativos.

Outra medida que garante recursos hídricos no futuro é a criação de consórcios entre municípios da Região metropolitana para uma equilibrada distribuição de água tratada para as cidades. A natureza não divide territórios mas nós urbanos sim, por isso é possível que no futuro cidades precisem comprar água de outros municípios, o que sem planejamento pode gerar conflitos e problemas desnecessários surjam. Os eventos climáticos extremos recentes indicam que o desabastecimento será nossa crise climática. Soluções como preservação de água em bacias, proteção de áreas úmidas, proteção de nascentes, conservação de áreas de proteção permanente em áreas urbanas e rurais, cultivo de florestas urbanas, implementação de arborização urbana para equilíbrio do ecossistema urbano, cuidado com a expansão das áreas urbanas sobre as rurais, mas, principalmente, o combate ao desmatamento da floresta amazônica que nos dá as chuvas, são algumas medidas.

A despoluição desses mesmos ribeirões é medida urgente também, pois a vitalidade e saúde deles dependerá a nossa.

Dinalva Heloiza - O desenvolvimento sustentável tem sido uma agenda importante para muitas cidades ao redor do mundo. Quais políticas públicas você considera essenciais para que Goiânia se torne um exemplo em sustentabilidade ambiental, considerando o uso eficiente dos recursos naturais e o controle da poluição tanto por despejos e descartes, quanto por emissões?

Maria Ester – A expressão desenvolvimento sustentável é complexa o suficiente para que a resposta também seja.

Entendo que sustentabilidade é um tema diretamente relacionado à cultura do consumo, portanto para pensarmos em políticas públicas essenciais para que a cidade seja exemplo de sustentabilidade, devemos começar por políticas de educação de combate ao consumo de descartáveis, ao consumo exacerbado de plásticos, consumo e descarte exacerbado de roupas, calçados e bolsas (Goiânia é um dos maiores produtores desses produtos no país) e fazer isso sem desequilibrar a economia no município.

Para isso é preciso defender políticas públicas de uso de materiais reciclados, materiais que possam ser reciclados, uso de energia limpa... coisas que já sabemos que temos que fazer.

Goiânia é classificada como uma das cidades que mais constrói, que mais vende apartamento e que mais expande sua área urbana para cima da área rural. Esses três fatores são o avesso do caminho da sustentabilidade. Por isso a complexidade da questão. A indústria que mais se utiliza de recursos naturais é a indústria da construção civil e tem em Goiânia território livre para atuar, sem exigência de tratamento de resíduo, sem programa de tratamento de resíduo, sem ao menos pactuar com essa indústria, alguma ação que minimize os impactos da atividade. Não temos indústria que beneficie os resíduos dessa mesma atividade em prol da economia de uso dos recursos naturais. A água é um deles, então teremos que pautar uma cultura (mais uma vez) de uso dos recursos com base na ideia de consumo.

Quantas indústrias de concreto possuem reserva de água das chuvas para uso futuro? Quantos canteiros de obras ensinam seus trabalhadores a não fazer uso de plásticos e descartáveis? Penso que é por aqui que devemos começar.

Dinalva Heloiza - Goiânia é uma das cidades mais desiguais do Brasil, o que reflete diretamente nas condições de vida de muitos de seus moradores. Quais estratégias você sugere para que o novo governo enfrente esse problema e promova um maior equilíbrio social e econômico na cidade?

Maria Ester – O tema do direito à cidade é o caminho da resposta aqui. O equilíbrio social e econômico será atingido quando a população tiver igual acesso aos serviços urbanos básicos. A moradia é o primeiro dos direitos. Em seguida o acesso à escola, ao tratamento de saúde, ao transporte digno, ao emprego, ao espaço público e ao lazer. Uma primeira estratégia a meu ver é mapear a desigualdade e mostra-la geograficamente. Em seguida investir em serviços urbanos nas áreas mapeadas.

Reduzir a desigualdade passa, a meu ver, pela redução da concentração de riqueza na cidade. Em Goiânia isso é visível e não seria tão complexo redistribuir a riqueza de urbanização se desse a mesma atenção de obras públicas na região norte, nordeste, que se dá à região sul e sudeste. Passa também por repensar o modelo econômico e de gestão que se imprime. Qual o tamanho e importância de uma Secretaria de Assistência Social comparada à Secretaria de Mobilidade? Ultimamente carros tem tido atenção e muita energia é dispendida para solução dos espaços para eles. O mesmo não se vê com relação a pessoas em situação de vulnerabilidade. Uma estratégia seria mudar os pesos dessa balança e dar muita atenção e energia a quem realmente precisa.

Dinalva Heloiza - O direito à cidade e o acesso a oportunidades de bem-estar urbano são essenciais para a população. Como a gestão pública pode garantir que todos, principalmente as populações mais vulneráveis, tenham acesso a uma cidade mais justa e inclusiva?

Maria Ester – Como continuidade da resposta anterior, ações que tragam para a pauta os mais vulneráveis serão ações que trarão as oportunidades. As leis necessárias para garantir os direitos das pessoas já existem, inclusive desde 1988. Portanto fazer valer as leis de assistência social, leis de regularização fundiária, de proteção dos idosos e pessoas com deficiência mudará o cenário de quem precisa do apoio do estado para ter bem estar. A gestão pública tem os recursos, não falta dinheiro, mas precisa escolher usar nessa pauta.

Dinalva Heloiza - A participação cidadã é fundamental para a construção de políticas públicas mais eficazes e democráticas. Como você acredita que o novo prefeito pode incentivar a participação ativa da população nas decisões sobre o futuro de Goiânia?

Maria Ester – Se o novo prefeito chamar a população vai atender, isso é uma certeza que tenho. Mas o chamamento é uma atitude de gestor com outra visão da coisa pública. Neste momento temos um gestor que diz saber o que tem que fazer, o que me parece que ele não precisa ouvir o que a população tem a dizer. Um exemplo disso é a convocação para a Conferência Municipal de Goiânia que está longe de ser importante na gestão. A participação da sociedade civil na conferência é o que enriquece e traz muita luz para solução de problemas comuns na cidade, mas não veremos o chamamento acontecer senão sob forte pressão de entidades e do governo federal, maior interessado.

Dinalva Heloiza - O conceito de governança urbana envolve não apenas a gestão pública, mas também a interação entre o governo, a cidadania e o setor privado. Que tipo de estratégias de governança você considera fundamentais para uma gestão mais transparente e eficiente em Goiânia?

Maria Ester – A estratégia é justamente a transparência. Uma cidade como Goiânia tem que se valer da lei que permite a formulação de consórcios municipais, parcerias com setor privado, mas com muita transparência e de preferência excluindo parentes de gestores dos contratos. Há que se implementar estratégias de monitoramento dessas parcerias e analisar indicadores de melhorias, ou não, nos serviços oferecidos pelos contratos. Também importante pensar em despolitizar a governança e profissionalizar o que se pretende executar de projeto em âmbito regional ou mesmo local.

Dinalva Heloiza - Goiânia tem experimentado uma dinâmica de metropolização, que envolve um crescimento acelerado da região metropolitana. Como você vê os desafios dessa expansão para o planejamento urbano da cidade, e quais soluções você sugere para uma metropolização mais equilibrada?

Maria Ester – Esta é uma questão que cabe num livro, tem muita complexidade e muito temas transversais que indicam soluções. O desafio a meu ver é político, mais uma vez.

A metropolização equilibrada sugere uma gestão metropolitana equilibrada. No caso da RMG nem a temos. O CODEMETRO não tem se reunido desde a primeira gestão do governo Caiado em 2018. Um plano metropolitano foi contratado e sequer isso é pautado no governo estadual pois a secretaria responsável foi eliminada à época (2018) e hoje a gestão do plano é fragmentada. São 20 municípios, sendo 3 conurbados com Goiânia (Senador Canedo, Trindade, Aparecida de Goiânia) que não conversam entre si sobre as questões básicas como mobilidade, resíduo, abastecimento de água, preservação do meio ambiente. O equilíbrio deve começar pelo diálogo, pela ação de se reunir para falar sobre o futuro desse aglomerado.

Dinalva Heloiza - Como professora e especialista em urbanismo e paisagismo, qual o papel da academia e da pesquisa na construção de soluções inovadoras para os desafios urbanos de Goiânia? O que pode ser feito para aproximar ainda mais o conhecimento acadêmico das ações públicas na cidade?

Maria Ester – A meu ver é a academia que produz as soluções para problemas humanos, não somente urbanos. Vacinas, roupas tecnológicas, aparelhos para pessoas com deficiência, pavimentos drenantes, todas essas coisas são desenvolvidas dentro de universidades, com conhecimento científico, portanto não há outro local para produção de conhecimento e tecnologia senão dentro da academia. Para aproximar esse conhecimento das ações deve haver mais interesse de ambas as partes em se conectar e transformar o conhecimento em ação.

A resistência de ambas as partes se dá, a meu ver, por motivos diferentes. Na academia não há muito tempo para o debate e vemos uma crescente defesa do ensino à distância, o que enfraquece muito as relações. As remunerações também são baixas para uma maioria e o trabalho é pesado para somar nas atividades essas ações extraclasse. Do lado da gestão percebo a mesma fórmula de sempre, que politiza os setores técnicos e não abre muito espaço para convênios, experiências em grupo, oficinas de treinamento e testes de modelos... isso dá trabalho e gestões eminentemente políticas não tem interesse nisso.

Para uma aproximação, os dois tem que querer.

Dinalva Heloiza - Para encerrar, quais suas expectativas em relação à nova gestão municipal de Goiânia? Há algo que gostaria de ver implementado já no primeiro ano desse governo, para que Goiânia tenha um começo de transformação em direção a um futuro mais sustentável, inclusivo e moderno?

Maria Ester – Não tenho expectativas de que será uma gestão diferente da anterior em termos de visão de mundo, visão de gestão pública e política. Mudaram os atores de um primeiro escalão, mas a maioria dos vereadores permanece na câmara e as trocas e contratações para a gestão seguem no mesmo ritmo de décadas de gestão. Poderíamos ver implantado o plano de arborização aprovado e que pode ajudar em muito o futuro do ambiente urbano. Ver o plano de drenagem concluído e efetivado também seria muito bom.

Temos leis para mobilidade, usos e atividades econômicas, lei de Habitação Social, plano diretor, mas elas foram modificadas para o favorecimento da indústria da construção civil. Mudar algumas estruturas nessas leis seria uma coisa muito importante também, mas não tenho expectativa de que esse modelo de gestão o faria.

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