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segunda-feira, dezembro 07, 2020

Anastasia Divinskaya, Representante da ONU Mulheres Brasil, "A interseccionalidade dos direitos humanos é central para o nosso trabalho no Brasil"

Dinalva Heloiza

Em 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU), proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos no Palais de Chaillot, em Paris, na França, como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Desde então, a data tem um símbolo histórico e vigente, em todos os dias de nossas vidas, e é nessa data, quando comemoramos o Dia Internacional dos Direitos Humanos.

Com a proximidade da data, somando-se a importância da Campanha de Combate à violência contra Mulheres, que teve início em 25 de Novembro indo até 10 de Dezembro, promovida pela ONU Mulheres, através de um leque de abordagens e ações, a exemplo dos “16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência” e o “UNA-SE pelo Fim da Violência contra as Mulheres“ o que ocorre em um momento essencial, onde os casos de violência contra as Mulheres em todo o Brasil, demonstram um crescimento bárbaro, e faz-se imperativo que todos nós, sociedade, tenhamos um alinhamento à esse combate, razão pela qual ancoramos nossa entrevista de hoje.

 Ms. Anastasia Divinskaya - Representante da ONU Mulheres Brasil
Foto: cortesia ONU Mulheres Brasil

Às vésperas de completar um ano, desde que foi designada para o posto diplomático de Representante da ONU Mulheres no Brasil, Anastasia Divinskaya, natural do Quirguistão, tem um currículo amplo de experiências significativas em relevantes áreas, e 20 anos de atuação profissional junto as Nações Unidas. Em suas áreas destacam-se a igualdade de gênero, direitos humanos, empoderamento das mulheres, e na coordenação da ONU, tanto em nível internacional quanto em seu país de origem.

Anastasia Divinskaya, é mestra em Artes – Literatura e Línguas Germânicas pela Faculdade de Humanidades e pós-graduada em Teoria Econômica pela Kyrgyz Slavic University, no Quirguistão.  Antes de se estabelecer nos quadros da ONU Mulheres, ela trabalhou com o UNFPA - Fundo de População das Nações Unidas, organismo da ONU responsável por questões populacionais, e junto ao PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – organismo da ONU, que tem por mandato promover o desenvolvimento humano e sustentável, e erradicar a pobreza no mundo, ambas as organizações, então, no Quirguistão.

Durante o período de 2007 a 2010, ela assumiu o programa nacional UNIFEM / ONU Mulheres no Quirguistão, cobrindo a liderança e a participação das mulheres e fornecendo financiamento para garantir a igualdade de gênero e o empoderamento econômico das mulheres, período em que também trabalhava na coordenação da ONU, no país.

De 2010 a 2013, Ms. Anastasia Divinskaya trabalhou na ONU Mulheres da Moldávia, liderando o programa de descentralização e governança local com perspectiva de gênero, com foco nos direitos das minorias.

Posteriormente ela atuou como Representante Adjunta da ONU em Timor-Leste. Em julho de 2015, Anastasia Divinskaya assumiu a Chefia do Escritório da ONU Mulheres na Ucrânia, e em agosto de 2018, ela foi designada Representante da ONU Mulheres na Ucrânia.

Em 16 de Dezembro de 2019, após sua designação para o Brasil, ela assume a representação da ONU Mulheres Brasil, e em alguns dias ela completa um ano à frente da entidade no Brasil.  

Durante esse período relativamente curto, com desafios constantes, é certo que os avanços alcançados mais do que nunca estão presentes, o que se deve ao incansável trabalho exercido sobre o seu comando e de toda a equipe da ONU Mulheres no Brasil, o que vem consolidando conquistas revigoradas para garantir que mulheres e meninas não sejam deixadas para trás, e possam alcançar um desenvolvimento mais justo.

A soma de suas exitosas experiências, alinham-se ao conjunto de suas capacidades, o que lhe permitiu conquistas e sucessos, colocando a representação da ONU Mulheres no Brasil, em um patamar de destaque em nossa região. Ao observar sua inegável capacidade de atuar frente a grandes desafios, e o olhar significativo de defesa e proteção aos direitos das mulheres, Ms. Anastasia com sua generosa atenção e especial cordialidade, nos concede a entrevista a seguir, via e-mail.

Brasil EcoNews – Gostaria de conhecer um pouco sobre suas primeiras aspirações, enquanto jovem e mulher, em seu país de origem, ao momento em que alcançou os primeiros postos de trabalho junto a ONU, e posteriormente como representante da ONU Mulheres Brasil, os desafios, conciliação com a família, e finalmente como foi seu primeiro contato com o Brasil? 

Anastasia Divinskaya - Em primeiro lugar, gostaria agradecer pela oportunidade e o seu interesse pelo trabalho da ONU Mulheres no Brasil.

Comecei a minha carreira na ONU há 20 anos, como assistente júnior no meu país de origem - Quirguistão. Diria que foi nessa altura que percebi pela primeira vez que os direitos humanos e a igualdade de gênero eram muito mais do que uma área do meu interesse. Ao observar e aprender o trabalho das Nações Unidas sobre direitos humanos, apreciei a importância dos direitos humanos para a minha própria vida, que isto representava quem eu era baseada no fato de ser mulher, a minha origem étnica minoritária, as minhas aspirações de carreira e a minha formação acadêmica.

Refletia quem eu era verdadeiramente e estava na minha mente e no meu coração ao ver as injustiças dos direitos humanos. As Nações Unidas são fundamentais na promoção de um sistema baseado no Estado de direito a nível internacional, ancorado na Carta e enquadrado pelo corpus de tratados internacionais e mecanismos de justiça desenvolvidos sob os seus auspícios. O trabalho inspirador das Nações Unidas no meu país de origem afirmou a minha convicção de que, fazendo parte desta organização, poderei dar a minha contribuição para a promoção e proteção dos direitos humanos e promoção da igualdade de gênero.

Desde então, ao longo de toda a minha carreira, nunca pensei em mudar da ONU para outro local de trabalho. Quer tenha trabalhado em prol dos direitos humanos e da integração da perspectiva de gênero na reforma da descentralização na Moldávia, quer tenha gerido o complexo programa nacional em Timor-Leste, ou estabelecido o escritório da ONU Mulheres na Ucrânia, sempre partilhei o sentido de pertencer à comunidade de profissionais das Nações Unidas que trabalham diariamente para encontrar soluções para problemas complexos: desde acabar com os conflitos e aliviar a pobreza, até à defesa dos direitos humanos e tornar a igualdade de gênero uma realidade para milhões de mulheres e meninas.

Seria justo dizer que a ONU tem sido mais do que apenas um trabalho. É uma parte significativa da minha vida. A vida que partilho com o meu marido e a minha filha. A propósito, conheci o meu então futuro marido no trabalho. Ele ocupou vários cargos na organização, desde oficial de Coordenação da ONU no Quirguistão a analista político no Iraque. Ele é agora aposentado da ONU. Assim, ele compreende claramente a natureza do meu trabalho, partilha os meus valores e me dá um tremendo apoio. Posso dizer com certeza que partilhar valores e obter apoio do meu marido e da minha filha, que está sendo educada com uma centralidade de direitos humanos, tem sido de enorme importância para a minha estima e carreira durante todos estes anos.

Trabalhar no Brasil é um sonho tornado realidade para mim. Tenho acompanhado com grande interesse e admiração o trabalho da fabulosa equipe da ONU Mulheres no Brasil durante algum tempo antes de me candidatar a este cargo. O trabalho exemplar sobre a interseccionalidade dos direitos humanos como fundamento do programa de país foi apelativo e me fez desejar me juntar e explorar como posso aplicar a minha própria experiência e trabalho e fazer parte da visão da ONU Mulheres no Brasil. Juntar-me à equipe em dezembro do último ano excedeu as minhas expectativas. Esta é uma comunidade fantástica de profissionais apaixonados e apaixonadas pela justiça social e igualdade para todas as pessoas! Temos um programa de país de tirar o fôlego, parcerias fantásticas e muitas oportunidades.

Brasil EcoNews - Em 10 de dezembro, celebramos o 72º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada pela ONU em 1948. Após 72 anos desse marco histórico, o que podemos celebrar diante das conquistas alcançadas pela ONU Mulheres Brasil, tendo como base os princípios dos direitos humanos da Declaração Universal? 

Anastasia Divinskaya - Neste ano, a comemoração do Dia Internacional dos Direitos Humanos, 10 de dezembro, é especial.

O ano 2020 é um ano massivo para a igualdade de gênero. Tem uma conjuntura de aniversários dos acordos de referência, que mobilizou líderes mundiais, Estados membros da ONU e movimentos de mulheres para a realização dos direitos humanos das mulheres. Este ano comemoramos o 20º aniversário da Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU sobre Mulheres, Paz e Segurança, a primeira a ligar as experiências de conflito das mulheres à agenda internacional de paz e segurança.

Em setembro comemoramos o 5º aniversário da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como um apelo universal à ação para acabar com a pobreza, proteger o planeta e assegurar que todas as pessoas gozem de paz e prosperidade até 2030. Alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres é um objetivo autônomo - o Objetivo 5-, e também parte de todos os outros objetivos, com muitas metas que reconhecem especificamente a igualdade e o empoderamento das mulheres como o objetivo, e como parte da solução. A Agenda 2030 é clara: a menos que o progresso na igualdade de gênero seja acelerado, a comunidade global não conseguirá alcançar os ODS.

É importante notar que este ano celebramos 25 anos de adoção da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, que continua a ser a agenda global mais abrangente e transformadora para a realização da igualdade de gênero, e a sua visão ousada para a transformação da vida das mulheres e meninas tem relevância renovada.

A promoção dos direitos humanos das mulheres está no centro do trabalho da ONU Mulheres a nível global e no Brasil, incluindo o apoio à implementação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), que é central para a realização dos direitos humanos das mulheres e o envolvimento com os mecanismos internacionais de direitos humanos, em geral, bem como a promoção dos direitos humanos das mulheres na implementação dos ODS. A nossa equipe contribui para reforçar a capacidade dos governos a nível federal e estadual, do parlamento e do poder judicial para fazer cumprir e acompanhar os progressos na implementação dos compromissos internacionais e dos quadros políticos e jurídicos nacionais. Contribuímos para reforçar a investigação e a coleta e análise de dados para monitorar a igualdade e a não discriminação com base no sexo, raça e etnia.

O trabalho da ONU Mulheres está enraizado no movimento das mulheres. Orgulhamo-nos das nossas parcerias com a sociedade civil diversificada e vibrante do Brasil e com diversos grupos de mulheres. E estamos orgulhosas da nossa contribuição para a construção e fortalecimento do movimento de mulheres no Brasil. Estes são a chave para a concretização da nossa visão de tornar a igualdade e uma vida livre de discriminação uma realidade de TODAS as mulheres e meninas no Brasil.

É por isso que a interseccionalidade dos direitos humanos é central para o nosso trabalho no Brasil. As mulheres não são um grupo homogêneo. Certos grupos de mulheres, além de sofrerem de discriminação dirigida contra elas como mulheres, podem também sofrer de múltiplas formas de discriminação com base em motivos adicionais como raça, identidade étnica ou religiosa, deficiência, classe ou outros fatores. Tal discriminação pode afetar estes grupos de mulheres principalmente, ou em grau diferente ou de maneiras diferentes dos homens.  Por outras palavras, enquanto todas as mulheres enfrentam discriminação baseada no gênero, certos grupos de mulheres enfrentam formas adicionais de discriminação devido a outros fatores. 

No entanto, mesmo a discriminação que enfrentam devido a tais fatores é específica do gênero.  Por exemplo, durante o conflito, e em particular quando a agressão é dirigida a um determinado grupo étnico, as mulheres são alvo de violência sexual. Há inúmeros outros exemplos.  Na Europa, as ciganas e outras mulheres dos grupos minoritários, as mulheres que vivem com HIV, e as mulheres com deficiência têm sido forçadas ou coercivamente esterilizadas.

 Na América Latina, as trabalhadoras migrantes sofrem abusos sexuais nas mãos dos seus empregadores ou são afetadas quando as leis laborais não protegem o seu setor de trabalho, resultando na negação de benefícios, incluindo os relacionados com a maternidade.  Devido à natureza específica do gênero da discriminação dentro do grupo, colaboramos com todos os ramos do poder e diversos grupos de mulheres na identificação das respostas, as quais são orientadas pela CEDAW e pelos outros tratados de direitos humanos.

Brasil EcoNews - Quando o gênero, raça, etnia, classe, religião ou crença, migração, ou qualquer que seja a discriminação se cruzam, intrincadas redes de privação são criadas, fortalecendo a negação de direitos, que impedem, minam e oprimem. Diante dessa cruel dinâmica, mulheres, meninas, afrodescendentes, indígenas e a comunidade LGBTQI+ são as mais afetadas. Como a ONU Mulheres, está definindo sua atuação junto ao Brasil, promovendo a igualdade e dignidade humana, visando a inclusão e a transformação humanitária nesses cenários?

Anastasia Divinskaya - Esta é uma questão muito boa. Nestes dias, estamos a implementar os 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, observados sob a égide da campanha do Secretário-Geral da ONU “UNA-SE pelo Fim da Violência contra as Mulheres”.

Assim, eu gostaria de apresentar a questão da violência contra as mulheres e meninas como exemplo.

Globalmente, mesmo antes da COVID-19, uma em cada três mulheres já havia sofrido violência física ou sexual durante a sua vida. Só no ano passado, 243 milhões de mulheres e meninas, entre 15 e 49 anos de idade, sofreram violência sexual ou física por um parceiro íntimo. Trata-se de uma pandemia de proporções inimagináveis.  Em alguns países, tais como os afetados por conflitos, a situação é ainda pior, onde cerca de 70% das mulheres e meninas reportaram já ter sido vítimas de violência baseada em gênero. À medida que o mundo recuou para o interior das casas devido às medidas de distanciamento e isolamento sociais introduzidas para conter a pandemia da COVID-19, relatórios evidenciaram um aumento alarmante da já existente pandemia de violência contra as mulheres em diversos países.

A violência é também generalizada e sistêmica no Brasil. A cada 2 horas uma mulher é assassinada. No ano de 2018, 4.519 mulheres foram assassinadas e 68% das vítimas eram negras. Entre 2008 e 2018, os assassinatos de mulheres negras aumentaram 12,4% enquanto os assassinatos de mulheres não negras diminuíram 11,7%.  Em 2019, a polícia registrou 66.123 casos de estupros: 85,7% eram mulheres e 57,9% das vítimas tinham menos de 13 anos de idade.

A análise dos dados de 2019 sobre vitimização mostrou que: a cada hora, 526 mulheres foram vítimas de agressão física (4.7 milhões de mulheres ou 9%); 27.4% das mulheres brasileiras com 16 anos ou mais sofreram algum tipo de violência nos últimos 12 meses (16 milhões de mulheres); 21.8% foram vítimas de ofensa verbal, como insulto, humilhação ou xingamento; 8.9% foram tocadas ou agredidas fisicamente por motivos sexuais (9 por minuto – 4.6 milhões); 3.9% foram ameaçadas com faca ou arma de fogo (1.7 milhão); 3.6% sofreram espancamento ou tentativa de estrangulamento (3 por minuto – 1.6 milhão); 42.6% das mulheres de 16 a 24 anos afirmaram ter sofrido violência nos últimos 12 meses; 28.4% das vítimas eram pretas; 27.5%  eram pardas; e  24.7% eram brancas .

Mesmo quando analisamos os números gerais da população, a situação é chocante. Ao olhar para além da média e considerar a situação das mulheres que reiteradamente são deixadas para trás, nos deparamos com um quadro ainda mais desafiador. No Brasil, muitos grupos de mulheres enfrentam rotineiramente formas múltiplas e cruzadas de discriminação tais como destacadas anteriormente. Estes grupos enfrentam violações de direitos humanos, intolerância e discriminação particularmente severa no acesso a espaços de poder e   tomada de decisão, oportunidades de trabalho e emprego – especialmente aqueles que se enquadram no conceito de trabalho decente, serviços relacionados ao cuidado com saúde e educação. Enfrentam também barreiras significativas de acesso aos serviços essenciais referentes a violência contra mulheres e meninas.

Não deixar ninguém para trás - especialmente estas mulheres e meninas que são ameaçadas ou sofrem violência, ou foram em algum momento de sua vida sujeitas a esta violação de direitos humanos -, requer recursos, políticas, compromissos e programas que se concentrem em atingir as comunidades mais marginalizadas. É por isso que ao colocar em destaque as vastas implicações e consequências da violência contra mulheres e meninas pertencentes aos grupos mais discriminados e socialmente marginalizados no Brasil, pretendemos este ano, por meio da campanha UNA-SE, sensibilizar e desencadear uma conversa a nível nacional sobre a necessidade de políticas, reformas e serviços inclusivos, não discriminatórios, sustentáveis e que adotem uma perspectiva interseccional. 

Neste ano, no Brasil, implementamos a campanha "Onde você está que não me vê?", destacando as causas, implicações e consequências da violência contra diversos grupos de mulheres e meninas. Ou seja, nosso enfoque particular é sobre os grupos socialmente excluídos e marginalizados. O nosso objetivo é enfatizar a importância de abordar as múltiplas formas de discriminação enfrentadas pelas mulheres em sua diversidade em função do seu sexo, raça, etnia, origem religiosa e linguística, identidade de gênero e orientação sexual na prevenção e resposta à violência contra mulheres e meninas no Brasil. Queremos tornar estas mulheres e as suas lutas visíveis.

Estamos encantadas por ver que a cada hora mais e mais instituições, empresas do setor privado, municípios e estados, bem como universidades, organizações da sociedade civil e organizações de base, estão a aderir à campanha. É um movimento crescente!

Brasil EcoNews - A ONU Mulheres vem alcançando uma forte adesão de instituições, famosos, sociedade civil e empresas, através da iniciativa HeForShe ou ElesporElas, onde convida especialmente homens, empresas e instituições, a se engajarem no combate à violência contra a mulher, e recentemente contou com adesão do STJ – Superior Tribunal de Justiça.  Olhando para essa iniciativa, poderia discorrer sobre como instituições e demais atores da sociedade podem se engajar, participar, contribuir e mesmo financiar essa luta?

Anastasia Divinskaya - Durante séculos, o movimento de mulheres tem liderado a luta pela igualdade de gênero. No entanto, embora tenham sido feitos enormes progressos nos direitos e bem-estar das mulheres e meninas no que diz respeito à saúde, educação, participação política e rendimento - a igualdade substantiva de gênero precisa ser alcançada.

Este momento na história representa uma oportunidade única de posicionar a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres no centro da agenda global - os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a promessa de fazer de 2030 a data de expiração da desigualdade.

Este impulso proporciona uma oportunidade sem paralelo de envolver homens e meninos, como parceiros, na abordagem de algumas das maiores violações dos direitos humanos da nossa geração.

É verdade que os primeiros anos desde o lançamento do movimento de solidariedade ElesPorElas no Brasil trouxeram muita atenção e interesse entre as diversas partes interessadas. As pessoas compreendem e apoiam a ideia da igualdade de gênero. Elas sabem que não se trata apenas de uma questão de mulheres, mas também de uma questão de direitos humanos. Sabem que abordar as desigualdades beneficia as famílias, as comunidades e toda a sociedade. ElesPorElas é um convite para que homens e pessoas de todos os gêneros se solidarizem com as mulheres para criar uma força ousada, visível e unida em prol da igualdade de gênero. No Brasil, os homens de ElesPorElas não estão à margem. Eles trabalham com mulheres brasileiras e uns com os outros para construir instituições, desenvolver negócios, criar famílias e retribuir às suas comunidades.

No entanto, é apenas um começo. A realização de pesquisas sobre homens, masculinidade e igualdade de gênero, provaram que a realização da igualdade de gênero tem dois pré-requisitos. O primeiro é a mudança cultural e social - ou a aceitação por parte de homens e meninos da importância e dos benefícios de uma sociedade igualitária em termos de gênero. O segundo é uma mudança institucional. Apesar deste reconhecimento, o envolvimento de homens e meninos como parceiros iguais na formação e implementação de uma visão partilhada da igualdade de gênero precisa ser realizada plenamente.

Durante os primeiros anos, ElesPorElas no Brasil concentrou-se no avanço da igualdade de gênero por:

1 CRIANDO SOLIDARIEDADE ao reunir metade da população brasileira (homens) em apoio da outra metade (mulheres) para benefício de todos e todas.

2 ENGAJANDO OS HOMENS: proporcionando uma plataforma para os homens se identificarem com as questões da igualdade de gênero e os seus benefícios, que libertam, não só as mulheres, mas também os homens, dos papeis sociais estabelecidos e dos estereótipos de gênero.

3 REENGAJANDO JUVENTUDE: a juventude continua a ser um recurso inexplorado para uma mudança, apesar de estar mais bem posicionada e ter mais oportunidades para moldar o desenvolvimento, com o seu acesso à informação, tecnologia, educação e formação.

O movimento da solidariedade brasileiro ElesPorElas é muito jovem.  No entanto, os níveis de mobilização, crescimento da audiência, apoiadores e defensores foram notáveis. No futuro, o nosso objetivo é aumentar o movimento em três frentes de ação do ElesporElas: consciência, defesa e ação (o que corresponde a):

1 A: CONSCIÊNCIA (AWARENESS) para a Educação e Sensibilização

No seu âmago, ElesPorElas promove a sensibilização, permitindo que os homens desempenhem um papel maior nas suas próprias vidas, nas suas comunidades, para acabar com a persistente desigualdade enfrentada pelas mulheres e meninas no Brasil.

Planejamos utilizar uma combinação direcionada de meios de comunicação social e cultural e ferramentas de sensibilização para ampliar o alcance e dar visibilidade ao impacto que a igualdade de gênero implica tanto aos homens como às mulheres, assim como as lideranças que estão comprometidas em promover a mudança.

Como exemplo, os parceiros ElesPorElas de diversos meios de comunicação - on-line, imprensa, televisão e rádio - podem implementar análises de conteúdos de gênero, impulsionar a cobertura de questões de igualdade de gênero, implementar projetos dedicados, tais como Barber Shop Talks*.

Para promover uma maior consciencialização ElesPorElas, podemos estabelecer uma estreita rede de porta-vozes e "influenciadores" que se preocupam profundamente com a questão, têm o alcance e a estatura para mudar os corações e as mentes dos diferentes públicos no Brasil.

2 A: DEFESA (ADVOCACY): que impulsiona a criação de impacto em apoio à política, envolvendo homens para avançar na realização da igualdade de gênero nas suas instituições e nas reformas nacionais. 

Aqui, gostaria de mencionar um notável compromisso do Superior Tribunal de Justiça, que esperamos que seja seguido com as ações concretas para avaliar criticamente as suas práticas internas e estabelecer os seus sistemas para um avanço efetivo da igualdade de gênero.

3 A: AÇÃO: já assistimos a um envolvimento com pessoas, empresas, meios de comunicação social, indústria criativa e instituições de ensino a assumirem os seus compromissos e a tomarem medidas. Gostaríamos de ver ações mais tangíveis na esfera da arte, cultura e esporte. Vimos a ação das partes interessadas, cooperação entre as empresas e as indústrias criativas, resultando numa transformação gradual da publicidade de sexista para mais igualitária em termos de igualdade de gênero e empoderamento das mulheres. Esta mudança é altamente importante para combater os estereótipos de gênero e as normas de gênero.

ElesPorElas pode estimular a arrecadação de fundos, iniciativas inovadoras de marketing de causas, e o patrocínio empresarial pelas empresas privadas dos projetos e iniciativas que visam a eliminação das desigualdades entre mulheres e homens.

É disto que a ElesPorElas se trata. O movimento reformula o diálogo sobre igualdade de direitos, reformula a igualdade de gênero a partir de uma questão de mulheres, para uma questão que requer a plena participação de mulheres e homens, em benefício de toda a sociedade - social, política e economicamente.

Anotações e Referências.

*Barber Shop TalksÉ uma conversa de barbearia - As primeiras Barber Shop Talks foram realizadas em fevereiro de 2018. Um participante disse que seu barbeiro era seu “terapeuta, treinador e tudo mais”. Ele também mencionou que ir visitar seu barbeiro para cortar o cabelo regularmente ajudou a construir sua identidade de “homem negro” e à medida que envelhecia “ era uma necessidade” para ele visitar seu barbeiro. A partir de então esse se tornou um talk show americano tendo como cenário, uma barbearia onde se discutem questões de gênero, raça e discriminação, dentre outros.

1 Atlas da Violência 2020, IPEA/FBSP. Disponível: Ipea - Atlas da Violência v.2.6.4 - Bem Vindo

2 FBSP, Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, disponível Anuário Brasileiro de Segurança Pública - Fórum Brasileiro de Segurança Pública (forumseguranca.org.br)

3 FBSP/Data Folha, Visível e Invisível: A vitimização de Mulheres no Brasil, 2019. Disponível: Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil - Fórum Brasileiro de Segurança Pública (forumseguranca.org.br) 

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