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quarta-feira, dezembro 11, 2024

Entrevista com Rosa Berardo - Do Xingu à Sorbonne, Uma Notável Trajetória entre a Fotografia e o Cinema!

 

Dinalva Heloiza


Rosa Maria Berardo
, nasceu em 18 de dezembro de 1961 (62 anos), em Monte Aprazível, SP - ela é professora universitária da UFG, cineasta e fotógrafa premiada - no cinema atua como produtora, diretora e roteirista. Formou-se em Comunicação Social e jornalismo pela UFG, onde também é professora titular e orientadora do mestrado e doutorado no Programa de Arte e Cultura Visual da Faculdade de Artes Visuais da UFG. Com um amplo trabalho dedicado às produções que abordam questões de identidade cultural, alteridade, gênero e etnia, sempre com um olhar atento às transformações sociais e culturais.

Em seu currículo acadêmico consta ainda o mestrado em Artes pela USP; mestrado em Cinéma et Audiovisuel pela Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3; doutorado em Cinéma et Audiovisuel - Université de la Sorbonne Nouvelle - Paris 3 e ainda Pos-doutorado em Ciências Sociais e Cinema na Universite du Quebec em Montreal, UQAM, no Canada.

Sua carreira multifacetada, consta uma ampla filmografia, além de ser primeira mulher a dirigir um filme em Goiás, é também a única cineasta brasileira a ter realizado 38 filmes sobre a cultura e tradições sobre a Cidade de Goiás, antiga capital goiana. Desses, 19 são animações sobre a obra de Cora Coralina, 4 são filmes de ficção, incluindo o longa-metragem "Sem Retorno", e 3 são documentários.

Em sua filmografia sobre a cidade de Goiás, destacam -se a "Semana Santa em Goiás" (2007), sobre a celebração religiosa local, e "Romaria do Vão do Moleque" (2007), que registra a romaria do povo Kalunga. Outros filmes incluem "Cerrado Quanto Custa?" (2007), que aborda os impactos da monocultura de cana, e "Caçada da Rainha" (2008), sobre as manifestações culturais de Cavalcante. Ela também realizou documentários sobre a cultura negra no estado, como "II Encontro Afro de Goiás" (2009) e "III Encontro Afro de Goiás" (2010).

Rosa se dedicou à obra de Cora Coralina, criando animações como "A Infância de Aninha" (2013), baseada em poemas da escritora, e "Cora Coralina - Vida e Obra" (2014), um documentário sobre sua vida. A série de animações inclui "A Chegada de Aninha" (2015), que reconta sua infância, e "Os Meninos Verdes" (2015), com uma mensagem ambiental. Também produziu "Os Causos da Bisavó" (2019) e "O Carreiro Anselmo" (2020), que abordam aspectos de sua vida familiar e rural.

A cineasta também valorizou a paisagem de Goiás em filmes como "Romãozinho" (2010), uma ficção inspirada em lenda local, e "Sem Retorno" (2019), filmado na cidade de Goiás e no Parque Nacional da Serra Dourada. Outro destaque "Travessia" (2012), um curta que explora a psicanálise e a arquitetura goiana.

Outros trabalhos incluem "André Louco" (1990), o primeiro filme dirigido por uma mulher em Goiás e premiado na Suiça, e ainda “Marcas da Ditadura na Vida de um Ator" (2017), sobre a repressão na ditadura militar. Rosa também documentou a agricultura local em "Festival ABC da Boa Mesa" (2011 e 2012) e "Festa ABC da Boa Mesa" (2011 e 2012), e a cultura afro-brasileira em "ABA" (2008), que aborda a diáspora africana em Goiás.

Atualmente, ela está produzindo um longa-metragem sobre a vida de Leodegária de Jesus, que será filmado em Goiás em 2025, com apoio de um prêmio do Edital Ruth de Sousa, FSA e ANCINE.

Em 2002, fundou a SKÓPOS, a primeira escola de cinema do estado, e em 2010, criou a Casa do Cinema, que se tornou um ateliê de produção audiovisual e uma referência para jovens cineastas goianos.

Rosa também possui um portfólio fotográfico extenso, e registros da cultura brasileira e internacional, em 2010 foi premiada com o quarto prêmio da VIII Bienal Internacional de Arte de Roma, categoria Fotografia. Em sua trajetória de cineasta, conquistou reconhecimento em importantes festivais, como o Goiânia Mostra Curtas e o FICA.

Além de sua produção artística, Rosa tem contribuído com seu conhecimento em diversas universidades no Brasil e no exterior, sendo professora convidada em instituições renomadas de países como a França, Canadá, Estados Unidos, México e Marrocos.

Seu nome consta na Biblioteca Virtual da Mulher como uma das artistas brasileiras que mais se destacou nas áreas de ciência, cultura e comunicação nos últimos anos.

Nesta entrevista temos a oportunidade única de conhecermos um pouco mais sobre a trajetória e as perspectivas dessa profissional que tem marcado a história do cinema e da fotografia em Goiás e no Brasil, e segue inspirando e formando novas gerações de talentosos cineastas e fotógrafos no Brasil e no mundo.  Ao final desta entrevista, conheça as premiações e seleções em que a obra de Rosa Berardo, foram selecionadas e premiadas. E vamos a nossa conversa!


Dinalva Heloiza - Rosa, o que a inspirou a optar pela formação em artes visuais e a especialização em fotografia e artes cinematográficas?

Rosa Berardo: Durante a minha adolescência, comecei a me interessar profundamente por fotografia. Sempre frequentava as bancas de revistas no centro de Goiânia e, em uma dessas visitas, encontrei uma revista sobre fotografia. Não me recordo o nome agora, mas lembro que era uma das poucas disponíveis na época. Fiquei fascinada e passei a comprá-la semanalmente. Essas revistas traziam imagens de fotógrafos brasileiros e internacionais, o que despertou ainda mais o meu interesse. Foi aí que pensei: “Que área incrível, a fotografia! ”

A partir dessas leituras, senti também uma grande vontade de fotografar. Como eu não possuía uma câmera, pedi uma ao meu pai, e algum tempo depois, ele me presenteou com uma. Isso me motivou a buscar uma formação e comecei a estudar fotografia na Universidade Católica. Lá, na Praça Universitária, tive aulas com a professora Rosary Esteves, a quem admiro profundamente e considero uma grande mestra. Fiz um curso intensivo de um ano, com aulas diárias, e me dedicava integralmente, passando horas no laboratório de fotografia da escola.

Gostei tanto da experiência que decidi trancar o curso de Letras, que estava cursando na universidade, para me dedicar exclusivamente à fotografia. Foi nesse período que minha paixão pela imagem fixa nasceu. Naturalmente, o interesse pela imagem em movimento veio como uma extensão desse amor pelas imagens em geral.

Quando entrei no curso de Jornalismo, aos 17 anos, fui atraída pela área do cinema, mais do que pela televisão. Essas duas paixões – fotografia e cinema – foram o ponto de partida da minha carreira e definiram meu foco profissional desde então.

Após concluir o curso de Jornalismo em Goiânia, fui para a Universidade de São Paulo (USP), onde fui aprovada no processo seletivo do mestrado. Na Escola de Comunicações e Artes (ECA), mergulhei ainda mais nas áreas de fotografia e cinema. Durante esse período, realizei meu primeiro filme, André Louco. Esse projeto não foi uma exigência acadêmica, já que o mestrado era bastante teórico, mas nasceu do meu desejo de concretizar o sonho de trabalhar com cinema.

André Louco foi um projeto independente, financiado graças ao Prêmio de Apoio ao Cinema, que recebi por meio da Lei Sarney, em parceria com a Shell Petróleo do Brasil. Esse filme representou um marco importante na minha trajetória e consolidou minha dedicação ao universo do audiovisual.

Dinalva Heloiza - E qual a motivação a levou a idealizar, em parceria com a Cara Vídeo, a fundação da primeira Escola de Cinema de Goiás, a Skópos? E como você avalia a evolução do cenário audiovisual goiano desde então?

Rosa Berardo: A motivação para criar a Skópos veio, em grande parte, da minha própria experiência. Eu precisei deixar Goiânia muito jovem, logo após concluir a graduação, para estudar cinema em São Paulo. Depois disso, fui para a França, morar em Paris, e, em seguida, para o Canadá, onde também continuei meus estudos na área. Embora essas experiências tenham sido enriquecedoras – afinal, morar fora é uma oportunidade de crescimento imenso, tanto pessoal quanto profissional - mas, eu sentia falta de estar perto da minha família.

Percebia também que muitos jovens em Goiânia, com o desejo de estudar cinema, enfrentavam dificuldades, seja por falta de opções na cidade ou por não terem condições de buscar essa formação fora. Foi então que pensei: “Somos uma cidade grande, com tantas histórias, uma rica cultura e escritores talentosos. Por que ainda não temos um curso de cinema em Goiás? ”

Com essa ideia em mente, procurei o padre Bernardo, que na época era o diretor proprietário da Cara Vídeo, Goiânia. Ele sempre foi uma pessoa incrível, com grande preocupação pelas questões sociais e a educação – valores que já eram a base da Cara Vídeo. Eles ofereceram toda a estrutura da locadora, enquanto eu desenvolvi o projeto pedagógico do curso de cinema. Foi um momento de muita alegria para mim.

A Skópos teve um impacto muito positivo e, acredito, deu o impulso necessário para despertar o desejo de muitos goianos em seguir carreira no cinema. Após dois anos, o curso foi transferido para a Faculdade Cambury, onde passou a ser uma pós-graduação. E mais tarde, para a UEG, que hoje desempenha um papel essencial para o estado, e o IFG, que também oferece formação na área.

O cenário audiovisual em Goiás evoluiu demais, de uma forma impressionante. Podemos dizer que, das novas gerações, especialmente as dos anos 2000, muitos dos cineastas que surgiram são ex-alunos da Escola Skópos. Eles já chegavam com experiência em televisão, mas foi através do impulso da nossa escola que passaram a se dedicar ao cinema. E hoje, Goiás está entre os grandes produtores de cinema do Brasil. Temos filmes e cineastas que já conquistaram prêmios internacionais e grandes prêmios nacionais. A produção em Goiás cresceu muito, e hoje temos várias mulheres cineastas. Estamos muito bem, com profissionais excelentes, e Goiás não precisa mais importar profissionais de fora. Temos uma grande competência em todas as áreas: desde a equipe técnica até a direção. É gratificante ver o estado alcançar esse nível de excelência.

Dinalva Heloiza - Rosa, como você avalia o impacto do seu pioneirismo ao se tornar a primeira mulher a dirigir um filme em Goiás? E ao comparar aquele período com o cenário atual, como enxerga a evolução e os desafios enfrentados pelas cineastas mulheres no estado?

Rosa Berardo: Quando estamos realizando algo, muitas vezes nem nos damos conta de que estamos sendo pioneiras. Fazemos por um sonho, por acreditar em algo. No meu caso, eu era tão apaixonada por cinema que simplesmente queria fazer um filme. Quando conheci o conto "O André Louco", do Bernardo Élis, me encantei. E, quando coloco algo na cabeça, faço de tudo para realizar. Coloquei muita energia nesse projeto, e essa energia foi crucial, porque, depois que ganhei o prêmio para realizar o filme André Louco, a parte mais difícil foi estabelecer a produção em Goiás. A Secretaria de Cultura da época não recebeu o prêmio e não quis emprestar a conta para que eu colocasse o dinheiro na conta da secretaria e usasse para fazer o filme.

Na época, havia uma solicitação para que esse prêmio fosse transferido para uma conta pública, para receber o dinheiro. Então, não consegui apoio aqui em Goiás. O dinheiro que recebi do prêmio foi enviado para São Paulo. Em São Paulo, conseguimos uma produtora que recebeu o dinheiro do filme, e fizemos o filme por lá. Tanto que André Louco é um filme registrado no cinema paulista, porque, na época, eu não tive apoio nem para começar a fazer o meu filme aqui. Além disso, ser uma mulher jovem, com 26 anos, dirigindo um filme foi um desafio enorme.

Trabalhei com uma equipe formada por profissionais experientes, tanto do Rio de Janeiro quanto de São Paulo. Enfrentei resistências, especialmente entre os atores, que eram mais velhos e, muitas vezes, relutavam em seguir minhas orientações. Isso trouxe complicações, pois percebi que lidava com uma mistura de machismo, misoginia e preconceito em relação à minha idade. Mas sempre fui uma pessoa forte nesse sentido, e mantive minha identidade intelectual e artística. Isso causou muitos transtornos, pois percebi que se tratava de machismo e também preconceitos com a idade. As três coisas, a misoginia, o machismo e a discriminação pela idade. Mas ao final deu certo.

Acredito que meu trabalho serviu de inspiração para muitas pessoas, especialmente outras mulheres. É sempre importante mostrar que, se uma mulher conseguiu, outras também podem. Hoje, temos muitas cineastas talentosas em Goiás, e é gratificante ver esse avanço. Apesar disso, ainda há desafios a serem superados, mas a presença feminina no cinema goiano tem crescido, e os resultados são impressionantes. É maravilhoso saber que contribuí, de alguma forma, para abrir esse caminho.

Dinalva Heloiza - Quais os desafios enfrentados pelos novos cineastas em Goiás e como a Maison du Cinema – Casa do Cinema Rosa Berardo – tem contribuído para superá-los?

Rosa Berardo: Atualmente, a Maison du Cinema não está oferecendo cursos de cinema. Estamos focados na produção de filmes, tanto meus quanto da minha filha, Júlia Berardo. Os desafios enfrentados pelos cineastas em Goiás hoje giram principalmente em torno dos editais de financiamento. Felizmente, o governo Lula tem disponibilizado diversos editais, o que é fundamental para a produção audiovisual. No entanto, o governo de Goiás não tem tratado a Lei Goyazes com o devido respeito, e isso prejudica bastante os produtores locais. A falta de compromisso do estado com a cultura é, sem dúvida, um dos maiores obstáculos para os cineastas goianos.

No momento, não estou ministrando cursos na Maison porque estou bastante envolvida com a universidade. Sou professora da UFG e dedico meu tempo ao mestrado, doutorado e às produções de filmes e séries de animação, áreas que têm me deixado muito realizada. Esse envolvimento tem limitado minha disponibilidade para retomar as aulas na Casa do Cinema, mas é algo que planejo para o futuro. Minha intenção é me aposentar da UFG em 2026 para me dedicar exclusivamente à Casa do Cinema e aos meus projetos cinematográficos.

Apesar disso, a Casa do Cinema já teve um impacto muito significativo. Poderia listar várias pessoas que passaram por aqui e hoje são cineastas bem-sucedidos. Claro, o talento individual de cada um foi determinante, mas fico feliz por termos contribuído com essa “sementinha” da paixão pelo cinema. Ver esses profissionais prosperando é uma das maiores recompensas do nosso trabalho.


Dinalva Heloiza - Rosa, seu trabalho frequentemente aborda temas como identidade cultural, alteridade, gêneros e etnias. Como você vê a relevância desses temas nos cenários do cinema e na fotografia contemporâneos?

Rosa Berardo: São temas que sempre me interessaram. Desde muito jovem, por volta dos meus 15 anos, já sentia uma grande curiosidade pelas culturas, especialmente as chamadas "culturas dos povos primeiros", ou seja, as populações originárias que habitavam os territórios antes da colonização. Essas culturas, presentes não só no Brasil, mas em toda a América do Norte e em outros lugares que, mais tarde, se transformaram em países, sempre me fascinaram.

Essas diferenças, tanto culturais quanto de gênero, sempre me atraíram, porque sempre achei muito enriquecedor lidar com o diferente. Estudar e aprender sobre culturas diferentes é fundamental, porque todos aprendemos muito com elas. Sempre achei muito limitado viver dentro da minha própria cultura e pensar que os nossos referenciais de vida, valores e hábitos eram os únicos, certos e inquestionáveis. Quando temos o privilégio de conhecer culturas diferentes, passamos a questionar e vemos que é muito pobre considerar que apenas a nossa cultura está correta, que ela é a única maneira de viver do ser humano, segundo os padrões culturais que nós conhecemos. Para mim, quanto mais eu posso estudar e aprender com o diferente, mais valorizo e percebo a importância de não destruir o outro, de não colonizar, de valorizar e apoiar as diferenças. Esse contato nos faz questionar nossos próprios padrões culturais e amplia nossa visão de mundo. Por isso, meu trabalho sempre seguiu essa linha: valorizar, aprender e apoiar as diferenças, sem impor ou colonizar o "outro".

Minha trajetória sempre foi marcada por esse interesse. Minhas primeiras viagens fotográficas ocorreram quando eu tinha 18 anos e, sozinha, fui conhecer as populações étnicas do Peru e do Chile, especialmente os grupos culturais indígenas que habitam esses países. Já havia lido bastante sobre essas culturas, o que aprofundou meu fascínio. Em seguida, comecei a estudar as populações indígenas do Brasil e, aos 23 ou 24 anos, durante a universidade, visitei o Parque Nacional do Xingu. Essa experiência foi um divisor de águas na minha vida e carreira, consolidando meu foco em trabalhar com essas temáticas. Desde então, identidade cultural, alteridade e etnias têm permeado todas as minhas pesquisas, desde a graduação até o pós-doutorado.

Acredito que a questão da identidade, das representações, de gênero e ética no cinema e na fotografia é extremamente relevante e séria. Vivemos no século das imagens, tanto no século passado quanto neste século XXI, em que as imagens tomaram os meios de comunicação e se tornaram um meio de nos comunicarmos. E é muito importante entender o que é uma imagem. A imagem não é a realidade em si, ela é uma releitura da realidade. Quando fotografamos ou filmamos, estamos fazendo escolhas, representando algo ou alguém de uma determinada maneira, com base no nosso olhar. O cinema e a fotografia, como meios de comunicação, têm uma grande responsabilidade, pois ao construir a imagem do outro, estamos projetando um olhar ideológico, político e ético.

Tanto no cinema ou na fotografia, construir uma imagem positiva da alteridade ou uma imagem negativa e estereotipada. Isso é algo que venho discutindo há muito tempo e que trabalhei durante o meu doutorado, que terminei em 2000, na França, sobre a representação do índio no cinema brasileiro. Nessa pesquisa, eu tomei ainda mais consciência da importância de que, ao invés de nossa cultura ocidental, dominadora e colonizadora, representar os outros, as culturas dos grupos étnicos minoritários – que hoje em dia, infelizmente, são minoritários devido aos genocídios cometidos contra essas culturas durante os processos colonizatórios – é fundamental que essas culturas originárias passem a se autorrepresentar.

Ou seja, que essas culturas, grupos minoritários, como os LGBTQIA+, os grupos negros, indígenas, comecem a se filmar, a filmar seu cotidiano, a filmar sua cultura, seu universo, com o olhar deles. Felizmente, isso já está acontecendo. Já temos grandes cineastas indígenas, cineastas negros e cineastas trans, mas isso ainda precisa ser mais incentivado, pois o número de cineastas dessas culturas é muito pequeno se comparado aos cineastas brancos, das culturas dominantes. Essas culturas minoritárias ainda enfrentam muitas dificuldades e são desprivilegiadas quando se trata de acesso à possibilidade de se fazer sua auto-representação.

Portanto, o cinema tem uma responsabilidade enorme em respeito e ética quando se trata de um cineasta ocidental branco representar outras culturas.

Dinalva Heloiza - E como tem sido a recepção das suas produções em festivais nacionais e internacionais, especialmente aquelas realizadas em parceria com seus alunos e ex-alunos?

Rosa Berardo: Felizmente, a recepção dos nossos trabalhos em festivais internacionais tem sido muito boa e gratificante. Acho que isso se deve, em parte, aos temas que abordamos, o que geralmente têm um forte apelo humanitário, social, infantil ou ambiental. Esses temas, aliados ao esforço e dedicação de toda a equipe, fazem a diferença. Sempre digo que o cinema é uma arte coletiva; um cineasta não faz um filme sozinho, ele precisa de uma equipe. E, nesse sentido, tive a sorte de contar com pessoas muito competentes e comprometidas ao longo dessas produções.

O resultado desse trabalho conjunto tem sido recompensador. Nossos filmes têm sido exibidos em países como França, Canadá e diversas nações da América Latina, além de participarem de importantes festivais de cinema no Brasil. Entre esses festivais, destaco os de animação e os grandes eventos de cinema brasileiro em cidades como Florianópolis e Rio de Janeiro, entre outras capitais.

Um exemplo notável é a série de animação sobre a Cora Coralina, que atualmente está em exibição na TV Brasil. Alguns episódios da série já foram aceitos em festivais renomados, reforçando o alcance e a relevância do nosso trabalho.

Estamos determinados a continuar nos esforçando para contribuir com o cinema goiano e brasileiro, colaborando com colegas cineastas para que nossas produções sejam cada vez mais reconhecidas e apoiadas, tanto no Brasil quanto no exterior. Essa trajetória tem sido motivo de orgulho e nos impulsiona a buscar novas conquistas.

Dinalva Heloiza - Em sua opinião, qual o papel da fotografia e do cinema na preservação e valorização das culturas locais, especialmente em um contexto globalizado? 

Rosa Berardo – Como mencionei anteriormente, o cinema e a fotografia são fundamentais para a valorização e a divulgação da importância das diferenças de gênero e culturais. Eles são meios de comunicação extremamente poderosos, especialmente na era da internet e das redes sociais, que conectam o mundo inteiro em questão de milissegundos. Essas conexões, geralmente mediadas por imagens, tornam o cinema e a fotografia as bases da nossa comunicação contemporânea.

Dinalva Heloiza - Quais as lições você traz relacionadas as suas experiências como professora convidada em renomadas universidades internacionais? 

Rosa Berardo – Sobre experiências internacionais, são diversas, também em bienais, revistas, enfim, eu também dou aulas. Costumo dar aulas no Canadá e fui convidada para lecionar novamente no próximo ano, 2025, de setembro a dezembro, em Montreal, na Universidade de Quebec. Essas viagens e contatos, esses intercâmbios são extremamente importantes, porque aprendo muito com essas experiências. Sempre digo que aprendemos muito com as diferenças. Morar em um país diferente e realizar trocas culturais com pessoas de outras nacionalidades nos proporciona mais ferramentas e informações para aprimorar nossas pesquisas.

Isso influencia diretamente o meu trabalho em Goiás, porque, quando temos mais ferramentas de trabalho, conseguimos avançar mais no lugar onde vivemos. Conseguimos progredir e trazer contribuições positivas para o que fazemos, seja no cinema, nas pesquisas ou em outras áreas. Especificamente no cinema, essas experiências enriquecem minhas criações e também impactam as aulas que ministro na UFG. Posso levar novos conteúdos e perspectivas para os meus alunos, o que, para mim, é um grande privilégio e uma enorme alegria.


Dinalva Heloiza - Quais os projetos cinematográficos e fotográficos você está desenvolvendo na atualidade, e o que podemos aguardar deles? 

Rosa Berardo – Sobre meus projetos atuais, aprovei um projeto chamado Leodegária, que aborda a vida da escritora negra Leodegária de Jesus, a primeira escritora negra goiana a publicar um livro. Ela publicou sua obra 40 anos antes de Cora Coralina, na cidade de Goiás, mas infelizmente não obteve reconhecimento, por ser uma mulher negra, enfrentou discriminação racial e misoginia. Inicialmente, produzi um pequeno documentário sobre ela e, a partir disso, desenvolvi um projeto de ficção que contará a história de sua vida e os desafios que enfrentou.

Esse projeto é de grande porte, e foi aprovado em nível nacional pelo Fundo Setorial do Audiovisual e pela Ancine, por meio do Edital Ruth de Souza. Convidei para a direção uma jovem cineasta negra, a Vanessa Gouveia, de Goiânia, que inclusive foi minha aluna e já possui três curtas-metragens em seu currículo. O filme precisa ser dirigido por uma mulher negra, alguém que compreenda profundamente as dificuldades enfrentadas em uma sociedade racista e misógina. Eu serei a produtora geral, enquanto a Vanessa comandará a direção. Estou extremamente feliz com esse projeto, pois sempre trabalhei com a ideia de alteridade – o exercício de se colocar no lugar do outro, percebendo-o como um indivíduo único e subjetivo.

Minha luta tem sido contribuir para que grupos culturais, étnicos e minorias possam se auto representar e esse filme está alinhado com essa coerência, ética e o propósito do meu trabalho.

Além disso, estou programando a inscrição para a segunda temporada da série de animação Aninha – que retrata a infância de Cora Coralina. Já estou trabalhando nos roteiros, com a intenção de lançar essa nova temporada entre 2025 e 2026.

Conheça a seguir algumas das premiações e seleções conquistadas pelo talento e a obra da fotógrafa, cineasta, produtora e diretora, professora Rosa Berardo.

Rosa tem uma ampla trajetória cinematográfica premiada e selecionada para grandes Festivais tanto do cinema nacional, quanto internacional. Já em seu primeiro trabalho como cineasta, quando filmou o curta-metragem “André Louco”, uma adaptação do livro do autor goiano Bernardo Élis, foi premiado no Festival de Cinema de Locarno, na Suíça e exibido em Gramado, no Rio Cine Festival, e Museu da Imagem e Som em São Paulo.

Em 2010, conquistou o Prêmio de fotografia pela exposição de fotos tiradas no Xingu na Bienal de Roma. Em 2012, foi homenageada com a Medalha Jaburu uma Homenagem do Conselho Estadual de Cultura, pelos serviços prestados ao Estado de Goiás no Audiovisual

O curta-metragem A Infância de Aninha obteve destaque em diversos festivais internacionais. Em 2013, foi premiado no Festival de Animação do Agreste como Melhor Filme e selecionado para várias mostras, como a Mostra Ibero-americana de Cinema de Animação – Baixada Animada (RJ), o Festival de Cinema Popular Brasileiro em Lumiar (RJ), o Festival Nacional de Curtas-metragens no Vale do São Francisco (PE), e o Festival de Cinema Asolo (Itália).

Também foi selecionado para importantes festivais como o CineBH (MG), o Festival do Rio (RJ), o Anim!Arte (RJ), e o Sansueña Film Fest (Madri, Espanha). Em 2015, continuou sua trajetória de sucesso com seleções no Festival de Filmes de Faina e no 7º CMS International Children’s Film Festival (Índia).

O curta A Chegada de Aninha também foi amplamente reconhecido, com participações no Festival de Arte e Educação Audiovisual de Goiânia (2015), no AsoloArtFilmFestival (Itália), e no Fica Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, em Goiás (2016).

O curta de ficção Travessia teve um bom desempenho em festivais, recebendo o prêmio de Melhor Arte no Festival Audiovisual Vera Cruz (GO), e prêmios de Melhor Roteiro, Melhor Ator e Melhor Atriz no Prêmios Curta Vale (BA). Também foi selecionado para o Festival de Cinema de Asolo (Itália) e o Cinemático Film Festival (México), entre outros. Em 2015, no Festival de Filmes de Faina, foi premiado com Melhor Filme, Melhor Fotografia, e Melhor Edição, além de receber várias indicações.

Procissão das Almas foi selecionado para o Dia Internacional da Animação em 2015.

O curta Os Meninos Verdes foi amplamente premiado, com vitórias como Melhor Filme Público no Festival de Cinema Ambiental e Sustentável de Cachoeiro de Itapemirim (ES), Melhor Filme Ambiental no Festival de Cinema Curta Canedo (2016), e Melhor Animação no 1º Cine Tamoio Festival (RJ). Foi ainda selecionado para vários festivais, incluindo o FICA Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental e o FFF – Festival de Filmes de Faina, onde recebeu diversas indicações. Além disso, foi destacado na Mostra Ibero Americana de Cinema de Animação de Duque de Caxias (RJ) e no Dia Internacional da Animação em Goiânia.

Todas essas premiações refletem o reconhecimento nacional e internacional das produções de Rosa Berardo e seu trabalho inovador no cinema e na animação, o que é pra todos nós um orgulho em representação! E como o aniversário está próximo, já deixo aqui os meus cumprimentos de uma feliz data, com plenitude e muito sucesso nesse novo ciclo que se aproxima! Felicidades, sempre! 

 

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