Dinalva Heloiza
O Brasil atravessa uma ferida aberta: a violência contra mulheres não apenas persiste, como se reinventa em formas ainda mais brutais. Os episódios recentes em São Paulo — três casos gravíssimos em apenas 72 horas — não são fatos isolados, mas sintomas de uma mesma doença social: o machismo estrutural que insiste em transformar mulheres em alvo, ameaça e propriedade.
De norte a sul do país, as histórias se repetem com tramas diferentes, mas com o mesmo enredo: homens incapazes de lidar com frustração, rejeição ou autonomia feminina. Homens ensinados, desde cedo, a confundir amor com posse, e respeito com controle. Homens que nunca foram convidados — ou obrigados — a revisitar seus próprios padrões emocionais, afetivos e sociais. É dessa fábrica de masculinidades violentas que nascem os feminicídios.
E diante de crimes tão chocantes, o país responde com comoção temporária, indignação nas redes e algumas horas de debate. Mas nada muda enquanto continuarmos acreditando que punir é suficiente. Sim, precisamos de justiça rápida e severa. Sim, precisamos de decisões judiciais que protejam as mulheres, não os agressores. Mas isso é apenas a linha de frente.
A transformação verdadeira está na base. Está na escola, onde deveria existir um currículo que ensine igualdade de gênero, respeito, empatia, limites afetivos e o básico do básico: que ninguém pertence a ninguém. Está nas famílias, que ainda normalizam ciúmes, violência emocional e a ideia de que homens não podem ser contrariados. Está nas empresas, que podem — e devem — criar ambientes seguros, políticas de acolhimento e programas de formação sobre masculinidades não violentas. Está nas instituições, que precisam tratar violência de gênero como questão de Estado, não como tema de ocasião.
E, sobretudo, está nos homens. Não basta dizer "eu não faço isso". É preciso agir contra quem faz. É preciso responsabilizar amigos, colegas, irmãos, pais. É preciso abandonar o silêncio confortável que protege agressores e isola vítimas.
As mulheres brasileiras estão cansadas de sobreviver. Cansadas de alertar, de gritar, de se explicar. Cansadas de perder amigas, irmãs, vizinhas e colegas para crimes que poderiam ter sido evitados. O movimento crescente nas redes, que pede punições mais severas e educação urgente, é mais do que um pedido — é um ultimato. Não queremos flores, homenagens e promessas. Queremos viver. Queremos circular nas ruas, nas casas, nos trabalhos e nos afetos, sem negociar a própria vida.
A pergunta que permanece é simples, mas profunda: quantas mortes serão necessárias para que a sociedade finalmente reaja? Quantas Taynara, quantas Evelin, quantas mulheres anônimas terão seus corpos e histórias destruídos antes que a prevenção seja levada a sério?
Chegou a hora de tratar o feminicídio como o que ele é: um problema social, político e cultural. E de enfrentá-lo com a coragem que a vida das mulheres exige.
O Brasil precisa sair do luto permanente para entrar na transformação urgente. A mudança é agora. E ela começa com todos nós.
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