A Constituição Federal consagra como direito fundamental a liberdade de religião, prescrevendo que o Brasil é um país laico, e consequentemente um país que respeita a liberdade individual, com base nos direitos humanos.
"E se somos, porque não exercemos? Vamos rever alguns aspectos!
Com essa afirmação queremos dizer que, consoante a vigente Constituição Federal, o Estado deva se preocupar em proporcionar a seus cidadãos um clima de perfeita compreensão religiosa, proscrevendo a intolerância e o fanatismo. Deve existir uma divisão muito acentuada entre o Estado e a Igreja (religiões em geral), não podendo existir nenhuma religião oficial, devendo, porém, o Estado prestar proteção e garantia ao livre exercício de todas as religiões.
É oportuno que se esclareça que a confessionalidade ou a falta de confessionalidade estatal não é um índice apto a medir o estado de liberdade dos cidadãos de um país. A realidade nos mostra que tanto é possível a existência de um Estado confessional com liberdade religiosa plena (v.g., os Estados nórdicos europeus), como um Estado não confessional com clara hostilidade aos fatos religiosos, o que conduz a uma extrema precariedade da liberdade religiosa (como foi o caso da Segunda República Espanhola)
O fato de ser um país secular, com separação quase que total entre Estado e Religião, não impede que tenhamos em nossa Constituição algumas referências ao modo como deve ser conduzido o Brasil no campo religioso. Tal fato se dá uma vez que o Constituinte reconheceu o caráter inegavelmente benéfico da existência de todas as religiões para a sociedade, seja em virtude da pregação para o fortalecimento da família, estipulação de princípios morais e éticos que acabam por aperfeiçoar os indivíduos, o estímulo à caridade, ou simplesmente pelas obras sociais benevolentes praticadas pelas próprias instituições.
Pode-se afirmar que, em face da nossa Constituição, é válido o ensinamento de Soriano de que o Estado tem o dever de proteger o pluralismo religioso dentro de seu território, criar as condições materiais para um bom exercício sem problemas dos atos religiosos das distintas religiões, velar pela pureza do princípio de igualdade religiosa, mas deve manter-se à margem do fato religioso, sem incorporá-lo em sua ideologia.
Por outro lado, não existe nenhum empecilho constitucional à participação de membros religiosos no Governo ou na vida pública. O que não pode haver é uma relação de dependência ou de aliança com a entidade religiosa à qual a pessoa está vinculada. Salienta-se que tal fato não impede as relações diplomáticas com o Estado do Vaticano, "porque aí ocorre relação de direito internacional entre dois Estados soberanos, não de dependência ou de aliança, que não pode ser feita."
A liberdade religiosa foi expressamente assegurada uma vez que esta liberdade faz parte do rol dos direitos fundamentais, sendo considerada por alguns juristas como uma liberdade primária.
Consoante Soriano, a liberdade religiosa é o princípio jurídico fundamental que regula as relações entre o Estado e a Igreja em consonância com o direito fundamental dos indivíduos e dos grupos a sustentar, defender e propagar suas crenças religiosas, sendo o restante dos princípios, direitos e liberdades, em matéria religiosa, apenas coadjuvantes e solidários do princípio básico da liberdade religiosa.
O jurista americano Milton Konvitz salienta que "If religion is to be free, politics must also be free: the free conscience needs freedom to think, freedom to teach, freedom to preach — freedom of speech and press. Where freedom of religion is denied or seriously restricted, the denial or restriction can be accomplished — as in the U.S.S.R., Yugoslavia, or Spain — by limits or prohibitions on freedom to teach, freedom to preach-by restrictions on freedom of speech and press. Political and religious
totalitarianism are two sides of the same coin; neither can be.accomplished without the other."(7),
ou seja, não existe como separar o direito à liberdade de religião do direito às outras liberdades, existindo um inter-relacionamento intenso entre todas as liberdades por ele mencionadas (liberdade de ensinança, de consciência, liberdade de pensamento, de imprensa, de pregação etc.).
Jorge Miranda também relaciona a liberdade religiosa com a liberdade política. São suas palavras: "Sem plena liberdade religiosa, em todas as suas dimensões — compatível, com diversos tipos jurídicos de relações das confissões religiosas com o Estado — não há plena liberdade política. Assim como, em contrapartida, aí, onde falta a liberdade política, a normal expansão da liberdade religiosa fica comprometida ou ameaçada."
É importante que se perceba que a idéia de liberdade religiosa não pode ser entendida de uma maneira estática, sem atentar-se para as mudanças de nossa sociedade. Segundo Soriano: "La libertad religiosa no es lo que fue ni lo que es hoy; la libertad religiosa es un concepto histórico, como todas las libertades, que en nuestro tiempo adopta una determinada forma, que no es la única ni la definitiva. También la libertad religiosa ha passado por varias etapas que han ido poco a poco enriqueciéndola. Una primera etapa en la que se reducía exclusivamente a la tolerancia religiosa ante el predominio de un monopolio religioso confesional: la religión dominante toleraba otros credos religiosos distintos y ‘falsos’, debido, primero a los imperativos de orden político, y, después, al reconocimiento de la libertad de conciencia; una etapa que sustituye a otra del más crudo confesionalismo estatal, intransigente y militante, representado en Europa por la diarquía del Pontificado y el Imperio, guardiana de la tradición católica imperante en el continente hasta las luchas religiosas del Renacimiento. Una segunda etapa de predominio del pluralismo confesional con el reconocimiento de las distintas confesiones religiosas: libertad religiosa para las confesiones dentro de un panorama de relativa desigualdad en el ejercício de las religiones. La libertad religiosa no está ahora presidida por el signo de la tolerancia en el ámbito de una única, verdadera y oficial religión del Estado, sino por la aceptación de la pluralidad de credos dentro del territorio del Estado; con ello el fenómeno religioso se engrandece y abarca una diversidade de opciones fideístas y la libertad religiosa se enriquece con la aportación de nuevos horizontes teológico-doctrinales; pero se trata todavia de un pluralismo moderado, el pluralismo de las opciones fideístas y del colectivo de los creyentes exclusivamente. Hay una tercera etapa en la que aún no estamos y cuyos primeros brotes doctrinales comienzan a aparecer en los momentos actuales, la etapa del pluralismo religioso íntegro, como la he llamado en otra ocasión, que representa la inserción de las opciones religiosas no fideístas dentro del concepto y de la protección de la libertad religiosa.".
Para se falar em liberdade religiosa é importante analisar-se o próprio conceito de religião, pois conforme ressalta Konvitz, o que para um homem é religião, pode ser considerado por outro como uma superstição primitiva, imoralidade, ou até mesmo crime, não havendo possibilidade de uma definição judicial (ou legal) do que venha a ser uma religião.
Se não é possível uma conceituação legal do que vem a ser religião, podemos tentar definir o conceito com apoio na filosofia.
Em conformidade com as ensinanças de Carlos Lopes de Mattos, religião é a "crença na (ou sentimento de) dependência em relação a um ser superior que influi no nosso ser — ou ainda — a instituição social de uma comunidade unida pela crença e pelos ritos".
Para o Professor Régis Jolivet, da Universidade Católica de Lyon, o vocábulo religião pode ser entendido em um sentido subjetivo ou em um sentido objetivo. Subjetivamente, religião é "homenagem interior de adoração, de confiança e de amor que, com todas as suas faculdades, intelectuais e afetivas, o homem vê-se obrigado a prestar a Deus, seu princípio e seu fim". Objetivamente, religião seria "o conjunto de atos externos pelos quais se expressa e se manifesta a religião subjetiva (= oração, sacrifícios, sacramentos, liturgia, ascise, prescrições morais)".
Juan Zaragüeta, com mais precisão esclarece que "I) La ‘religión’ consiste essencialmente en el homenaje del hombre a Dios. Pero la precision de esta definición tropieza con la doble dificultad: 1) de definir el concepto de Dios, de tan múltiple acepción (véase); 2) de determinar en qué consiste el homenaje religioso. A) A este propósito cabe distinguir: a) la religión interessada, que busca a Dios como un Poder superior a los de este mundo, para hacerle propicio (con oraciones y sacrificios) a los hombres, en el doble sentido de liberarlos de los males y procurarles los bienes de esta vida; b) la religión desinteressada, que (sin excluir lo anterior) busca sobre todo a Dios para hacerle el homenaje — culto interno o mental y externo o verbal y real, especialmente sacrificial, privado y público (véase) — de la adoración y del amor de los hombres. B) La religión: a) no moral, que considera a Dios como el legislador y sancionador, en esta vida o en la otra, del orden moral y jurídico, y al ‘pecado’ o infracción de este orden (que incluye también el religioso) como una ofensa de Dios, que quien cabe recabar su perdón a base del propósito de volver a cometerlo. Las religiones inferiores se caracterizan en ambos conceptos por atenerse al sentido a) y las superiores al sentido b). Hay que advertir, sin embargo, que la religión, incluso en el sentido b), se presta a ser utilizada hasta por los que no creen en Dios y para los demás en el concepto de A) b), como fuente de consuelo para el alma; y en el concepto B) b) como auxiliar del orden moral y político (concepto ‘pragmático’ de la religión). II) Se distinguen también la religión natural y las religiones positivas, o históricamente existentes; de las que varias pretenden ser reveladas por Dios con revelación variamente garantizada, y por ende sobrenaturales, no sólo por el modo de la revelación, sino también por la elevación con ella del hombre a una condición de intimidad con Dios (la ‘gracia santificante’, conducente tras de la muerte a la ‘gloria’ o visión beatifica de Dios) que por su naturaleza no le corresponde; la religión cristiana descuella como tal religión sobrenatural. Es de advertir que espíritus agnósticos tocante al dogma de la existencia o cuando menos de la esencia de Dios, no renuncian a la religión como sentimento o actitud de dependencia respetuosa del hombre del impe-netrable. Absoluto imanente o transcendente al mundo que nos rodea. De esta actitud ha derivado el sentido de ‘lo religioso’ hasta a actos de la vida profana que se entienden ejercidos con una absoluta seriedad o deberes cumplidos con escrupulosa diligência."
A liberdade de religião engloba, na verdade, três tipos distintos, porém intrinsecamente relacionados de liberdades: a liberdade de crença; a liberdade de culto; e a liberdade de organização religiosa.
Consoante o magistério de José Afonso da Silva, entra na liberdade de crença "a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo. Mas não compreende a liberdade de embaraçar o livre exercício de qualquer religião, de qualquer crença..."
A liberdade de culto consiste na liberdade de orar e de praticar os atos próprios das manifestações exteriores em casa ou em público, bem como a de recebimento de contribuições para tanto.
A liberdade de organização religiosa "diz respeito à possibilidade de estabelecimento e organização de igrejas e suas relações com o Estado."
A liberdade de religião não está restrita à proteção aos cultos e tradições e crenças das religiões tradicionais (Católica, Judaica e Muçulmana), não havendo sequer diferença ontológica (para efeitos constitucionais) entre religiões e seitas religiosas. Creio que o critério a ser utilizado para se saber se o Estado deve dar proteção aos ritos, costumes e tradições de determinada organização religiosa não pode estar vinculado ao nome da religião, mas sim aos seus objetivos. Se a organização tiver por objetivo o engrandecimento do indivíduo, a busca de seu aperfeiçoamento em prol de toda a sociedade e a prática da filantropia, deve gozar da proteção do Estado.
Por outro lado, existem organizações que possuem os objetivos mencionados e mesmo assim não podem ser enquadradas no conceito de organização religiosa (a maçonaria é um exemplo desse tipo de sociedade). Penso que em tais casos o Estado é obrigado a prestar o mesmo tipo de proteção dispensada às organizações religiosas, uma que vez existe uma coincidência de valores a serem protegidos, ou seja, as religiões são protegidas pelo Estado simplesmente porque as suas existências acabam por beneficiar toda a sociedade (esse benefício deve ser verificado objetivamente, não bastante para tanto o simples beneficiamento para a alma dos indivíduos em um Mundo Superior — os atos, ou melhor, a conseqüência dos atos, deve ser sentida nesse nosso mundo). Existindo uma coincidência de valores protegidos, deve existir uma coincidência de proteção.
Devemos ampliar ainda mais o conceito de liberdade de religião para abranger também o direito de proteção aos não-crentes, ou seja, às pessoas que possuem uma posição ética, não propriamente religiosa (já que não dá lugar à adoção de um determinado credo religioso), saindo, em certa medida do âmbito da fé, uma vez que a liberdade preconizada também é uma liberdade de fé e de crença, devendo ser enquadrada na liberdade religiosa e não simplesmente na liberdade de pensamento, mais ainda na liberdade de opção, em se reconhecer como indivíduo(a) mediante a contextualização de algum inventário mais particularmente similar à própria natureza ética em vínculo com origem de cada ser humano, que se propõe sem detrimento, do que possa desejar ser, mas a transitar pela grande hierarquia das demandas individuais, que facultam a todos indistintamente, os degraus que transitam entre o viver e transformar-se, numa conjuntura global, inerente a natureza de todos, com a Declaração Natural dos Direitos Humanos, que deu base a Declaração Universal, em diversos preâmbulos.
Pontes de Miranda reforça esses argumentos ao afirmar que tem se perguntado se na liberdade de pensamento caberia a liberdade de pensar contra certa religião ou contra as religiões. Salienta que nas origens, o princípio não abrangia essa emissão de pensamento, tendo posteriormente sido incluído nele alterando-se-lhe o nome para ‘liberdade de crença’, para que se prestasse a ser invocado por teístas e ateus. Afirma, por fim, que "liberdade de religião é liberdade de se ter a religião que se entende, em qualidade, ou em quantidade, inclusive de não se ter."
II - DA RELIGIÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Para a análise do tema é conveniente que se traga à colação os dispositivos constitucionais a ele relativo. Vejamos:
A Constituição Federal, no artigo 5º, VI, estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.
O inciso VII afirma ser assegurado, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.
O inciso VII do artigo 5º, estipula que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
O artigo 19, I, veda aos Estados, Municípios, à União e ao Distrito Federal o estabelecimento de cultos religiosos ou igrejas, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
O artigo 150, VI, "b", veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre templos de qualquer culto, salientando no parágrafo 4º do mesmo artigo que as vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.
O artigo 120 assevera que serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais, salientando no parágrafo 1º que o ensino religioso, de matéria facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
O artigo 213 dispõe que os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação e assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades. Salientando ainda no parágrafo 1º que os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.
O artigo 226, parágrafo 3º, assevera que o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
Cada um desses dispositivos constitucionais poderia dar origem a uma monografia, porém, por uma opção meramente didática, optamos, como já se deve ter percebido, por não tratá-los por tópicos isolados, tecendo comentários sobre eles no bojo do texto.
III - DA NECESSÁRIA SEPARAÇÃO IGREJA-ESTADO
De início podemos notar uma falta de sintonia entre a nossa fala inicial, embasada no texto constitucional, e o que ocorre cotidianamente no Brasil.
Como é possível se falar que não existe uma religião oficial quando ao abrir-se qualquer folhinha nota-se a existência de feriados oficiais de caráter religioso. E mais, de caráter santo para apenas uma religião (v.g. dia da padroeira do Brasil e finados).
Se existe uma separação entre o Estado e a Religião, será que seria constitucionalmente possível a existência desses feriados? E como ficam as datas santificadas das outras religiões: o ano novo judaico, o ano novo chinês, o período de jejum dos muçulmanos etc.?
Tal questionamento está sendo feito atualmente pela Igreja Universal do Reino de Deus. É uma pena que as atitudes da mencionada Igreja estejam também envoltas em um manto de intolerância religiosa, sendo a discussão sobre a existência dos dias santificados encarada como uma "vingança" contra a imagem da padroeira do Brasil. Tal questionamento deveria ser feito no âmbito frio e racional da Constituição, sem o apelo a lutas religiosas, perseguições etc.
Porém é bom que se ressalte que Konvitz, citando o Justice Douglas, afirma que a separação entre o Estado e a Igreja não é absoluta. Ela é limitada pelo exercício do poder de polícia do Estado (e por outros poderes constitucionalmente atribuídos a este) e pelas práticas amplamente aceitas como símbolos ou tradições nacionais e que não seriam abolidas pela população mesmo que não gozassem de apoio estatal.
Portanto, se a existência desses feriados é de constitucionalidade duvidosa, tal realidade é plenamente defensável face ao apego que a maioria da população tem a essas tradições, sendo que, provavelmente, grande parte da população não iria trabalhar mesmo que não fosse determinado o feriado.
Creio não ser inconstitucional a existência dos feriados religiosos em si. O que reputo ser inconstitucional é a proibição de se trabalhar nesse dia, por outras palavras, não reputo ser legítima a proibição de abertura de estabelecimentos nos feriados religiosos. Cada indivíduo, por sua própria vontade, deveria possuir a faculdade de ir ou não trabalhar. Se não desejasse trabalhar, a postura legal lhe seria favorável (abono do dia por expressa determinação legal), se resolvesse ir trabalhar não estaria obrigado a obedecer uma postura válida para uma religião que não segue. Pode-se ir mais além nesse raciocínio. Qual é a lógica da proibição de abertura de estabelecimento aos domingos? Com certeza existe uma determinação religiosa por trás da lei que proibiu a abertura de estabelecimentos nos domingos (dia de descanso obrigatório para algumas religiões). Como ficam os adeptos de outras religiões que possuem o sábado como dia de descanso obrigatório (v.g., os judeus e os adventistas)? Dever-se-ia facultar aos estabelecimentos a abertura aos sábados ou aos domingos, sendo que a ratio legis estaria assim atendida, ou seja, possibilitar o descanso semanal remunerado.
Portanto, creio que alargando o calendário de feriados e dias santificados para incluir as datas das maiores religiões existentes no nosso país e tornando estes feriados e dias santificados facultativos (no sentido de ser feita a opção entre ir trabalhar ou não), qualquer resquício de inconstitucionalidade estaria sanado.
Um problema muito mais grave está na descoberta de qual deve ser a exata postura do Estado frente às religiões (minoritárias e majoritárias).
Em que consiste a já mencionada separação de Estado e Igreja? Já vimos que o Estado brasileiro está terminantemente proibido de subvencionar qualquer religião. Vimos também que o Estado não pode obstar uma prática religiosa. Não pode adotar uma religião oficial. Não pode discriminar por critérios religiosos. Não pode fomentar disputas religiosas. Resta-nos ver o que pode o Estado fazer.
O Estado pode cooperar com as instituições religiosas na busca do interesse público (art. 19, I, da C.F.), ou seja, ele não pode manter relações de dependência ou aliança, porém pode firmar convênios com as entidades religiosas quando tais convênios atendam ao interesse público (e não ao interesse dos governantes). Aliás, pode e deve ter tal postura.
A experiência judicial americana nos mostra como é difícil delimitar até onde é constitucionalmente possível e permitido a cooperação entre Estado e religiões. Vários casos foram levados às Cortes americanas com relação à leitura da Bíblia (Velho Testamento-sem comentários) em sala de aula, com relação ao pagamento pelo Estado do ônibus escolar em Escolas Católicas, com relação ao planejamento das aulas na Escola Pública para que se abra um espaço para o ensino religioso, com relação à distribuição de Bíblias com o Novo e o Velho Testamento nas escolas, com relação ao descanso semanal. Todas as decisões foram tomadas por uma estreita margem de votos, o que demonstra a enorme polêmica que envolve o assunto.
Nossa jurisprudência sobre o tema ainda está engatinhando, podendo ser citados os seguintes precedentes:
Em 1949, foi impetrado no Pretório Excelso o Mandado de Segurança que recebeu o n. 1.114. Nesse Mandado um bispo dissidente da Igreja Católica Apostólica Romana requeria o amparo do Judiciário no sentido de evitar que o executivo impedisse "as manifestações externas, quais procissões, missas campais, cerimônias em edifícios abertos ao público etc.," de sua Igreja, quando praticadas com as mesmas vestes e seguindo o mesmo rito da Igreja Católica Apostólica Romana. O S.T.F. manifestou-se contrário à pretensão do impetrante, fulminando com essa decisão a acalentada separação entre Estado e Igreja. Esta decisão deixa claro como é extremamente difícil a prática do "jogo democrático religioso", ou seja, se na teoria a separação Estado-Igreja já estava bem delimitada (desde 1890), na prática essa separação ainda era feita por linhas muito tênues.
É importante registrar-se o teor do voto discordante do saudoso Ministro Hahnemann Guimarães. A transcrição do voto se faz necessária pois vale como uma aula prática e teórica sobre o tema: "...Daí resultou a providência sugerida do Sr. Consultor-Geral da República, o Professor Haroldo Valadão, nos seguintes termos:"Cabe, portanto, à autoridade civil, no exercício do seu poder de polícia, atendendo ao pedido que for feito pela autoridade competente da Igreja Católica Apostólica Romana, e assegurando-lhe o livre exercício do seu culto, impedir o desrespeito ou a perturbação do mesmo culto, através de manifestações externas, quais procissões, missas campais, cerimônias em edifícios abertos ao público etc., quando praticadas pela Igrejas Católica Apostólica Brasileira com as mesmas vestes, enfim, o mesmo rito daquela".
Adotando a providência sugerida neste parecer, Sr. Presidente, parece-me que o poder civil, o poder temporal, infringiu, frontalmente, o princípio básico de toda a política republicana, que é a liberdade de crença, da qual decorreu, como conseqüência lógica e necessária, a separação da Igreja e do Estado. Reclamada essa separação pela liberdade de crença, dela resultou, necessariamente, a liberdade de exercício de culto. Devemos esses grandes princípios à obra benemérita de DEMÉTRIO RIBEIRO, de cujo projeto surgiu, em 7 de janeiro de 1890, o sempre memorável ato que separou, no Brasil, a Igreja do Estado.
É de se salientar, aliás, que a situação da Igreja Católica Apostólica Romana, separada do Estado, se tornou muito melhor. Cresceu ela, ganhou prestígio, graças à emancipação do regalismo que a subjugava durante o Império. Foi durante o Império que se proibiu a entrada de noviços nas ordens religiosas; foi durante o Império que se verificou a luta entre maçons e católicos, de que resultou a deplorável prisão dos Bispos D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira e D. Macedo Costa, bispos de Olinda e do Pará. Mas não nos esqueçamos do próprio cisma, provocado, no século XIV, pelos cardeais rebeldes, em que se elegeu o antipapa Clemente VII. Assim, a História da Igreja está repleta desses cismas, está repleta desses delitos contra a fé. Trata-se pois, de delito contra a fé, como o classificam os canonistas...
O ex-bispo de Maura, D. Carlos Costa, não quer reconhecer o primado do Pontífice Romano, quer constituir uma Igreja Nacional, uma Igreja Católica Apostólica Brasileira com o mesmo culto católico. É-lhe lícito exercer esse culto, no exercício da liberdade outorgada pela Constituição no artigo 14, parágrafo 7º, liberdade cuja perturbação é, de modo preciso, proibida pela Constituição, no artigo 31, inciso II. Trata-se, pois, de delito espiritual, podemos admitir. Como resolver um delito espiritual, um conflito espiritual, com a intervenção do poder temporal, do poder civil, que está separado da Igreja?
Os delitos espirituais punem-se com as sanções espirituais; os conflitos espirituais resolvem-se dentro das próprias Igrejas; não é lícito que essas Igrejas recorram ao prestígio do poder para resolver seus cismas, para dominar suas dissidências. É este princípio fundamental da política republicana, este princípio da liberdade de crença, que reclama a separação da Igreja do Estado e que importa, necessariamente, na liberdade do exercício do culto; é este princípio que me parece profundamente atingido pela aprovação de parecer do eminente e meu ilustre colega de Faculdade, Professor Haroldo Valadão. Assim sendo, Sr. Presidente, concedo o mandado."(26)
Portanto, com exceção do Ministro Hahnemann Guimarães, o Supremo Tribunal Federal fez vistas grossas à necessária separação entre Estado e Igreja, desconsiderando o próprio texto constitucional, apegando-se a sentimentos individuais não amparados pela ordem jurídica.
A nossa Suprema Corte foi novamente convocada a pronunciar-se na Representação n. 959-9 - PB (JSTJ-Lex, 89/251) aonde argüía-se a inconstitucionalidade da Lei n. 3.443, de 6.11.66 que exigia a prévia autorização da Secretaria da Segurança Pública do Estado da Paraíba para o funcionamento das Tendas, Terreiros e Centros de Umbanda.
O Ministro Francisco Rezek, à época Procurador da República, salientou em seu parecer que: "5. Em termos absolutos, nada existe na norma sob crivo, tanto em sua redação atual quanto, mesmo, na primitiva, que constitua embaraço aos cultos africanos, de modo a afrontar a garantia constitucional da liberdade religiosa.
No máximo, dar-se-ia por defensável a tese do embaraço relativo, e do conseqüente ultraje ao princípio da isonomia, à consideração de que as exigências da lei paraibana não se endereçam por igual, aos restantes cultos religiosos. Para tanto, porém, seria necessário que a conduta do legislador local parecesse abstrusa e inexplicável, o que, em verdade, não ocorre. Pelo contrário, a quem quer que não se obstine em ignorar a realidade social, parecerão irrespondíveis os argumentos do digno Governador do Estado da Paraíba, à luz de cujo entendimento os cultos africanos ‘são destituídos de qualquer ordenamento escrito ou mesmo tradicionalmente preestabelecido.
Não contam com sacerdotes ou ministros instituídos por autoridades hierárquicas que os presidam ou dirijam, nem possuem templos propriamente ditos para a prática dos seus rituais.
Estes como textualmente esclarece a própria representação sub judice, se realizam separadamente, em terreiros, tendas ou Centros de Umbanda, entidades autônomas e independentes, nem sempre harmônicas nas suas práticas, fundadas por qualquer adepto daquelas seitas que se considere com poderes e qualidades sobrenaturais para criá-las. Tais circunstâncias, agravadas pela ausência de qualquer ministro ou sacerdote, notória e formalmente constituído, comprometem o sentido da responsabilidade a ser assumida perante as autoridades públicas, no que concerne à boa ordem dos terreiros, tendas e Centros de Umbanda.
Quis, então, o legislador local, assegurar no Estado o funcionamento daqueles cultos, mediante o cumprimento de determinadas exigências, a serem atendidas pelos representantes dessas sociedades, que passariam, assim, a ter existência legal.
Essas exigências, feitas em garantia da ordem e da segurança pública, não podem constituir embaraço ao exercício do culto, no sentido constante do artigo 9º, II, da Constituição da República, tanto mais quanto a própria lei, no seu artigo 3º, determina expressamente que, autorizado o funcionamento do culto, nele a polícia não poderá intervir, a não ser por infração da lei penal que ali ocorra.’"
O Pretório Excelso furtou-se à análise do mérito da representação por entender que a mesma estaria prejudicada pela alteração sofrida no artigo 2º da Lei n. 3.443/66 pela Lei n. 3.895/77. Ocorre que a alteração mencionada não teve o condão de sanar a inconstitucionalidade existente.
Pela Lei n. 3.895, de 22 de março de 1977, "O funcionamento dos cultos de que trata a presente lei será, em cada caso, comunicado regularmente à Secretaria de Segurança Pública, através do órgão competente a que sejam filiados, comprovando-se o atendimento das seguintes condições preliminares: ...II-b) possuir licença de funcionamento de suas atividades religiosas, fornecida e renovada anualmente pela federação a que foi filiado".
Ora, somente os Terreiros, Tendas e Centros de Umbanda (Cultos Africanos) deveriam, pela mencionada lei, comunicar o seu funcionamento à Secretaria de Segurança Pública. Qual é o motivo desta discriminação? É patente que tal exigência sendo feita exclusivamente aos Cultos Africanos fere o princípio da isonomia, não importando se a Secretaria de Segurança Pública não tenha mais que dar a sua autorização para que a entidade funcione.
O só fato dos Templos de uma determinada religião serem obrigados a comunicar o seu funcionamento à Secretaria de Segurança Pública e outros Templos de outra religião não serem obrigados a tal procedimento, já mostra um preconceito e um tratamento diferenciado totalmente injustificados. A fala de que a discriminação foi feita em razão da "realidade social" é desprovida de conteúdo, não possuindo pertinência lógica com o próprio tratamento desigual. A expressão equivale a um "cheque em branco" a ser preenchido a gosto do sacador.
É difícil, hoje, precisar numericamente qual é a religião majoritária. O que se pode afirmar, sem qualquer dúvida, é que existe uma parcela considerável da população que não segue mais a religião católica apostólica romana. Com base no nosso progresso constitucional, pode-se afirmar com segurança que o Estado não deve simplesmente "tolerar" a existência de outras religiões em seu território. Deve saber conviver com a multiplicidade de religiões existentes, tratando igualmente a todas.
A existência de um Ser Superior é aceita por todas as religiões. As religiões, basicamente, divergem na forma de se encontrar Deus, escolhendo cada uma seu próprio caminho. Portanto, concluo que o Estado Brasileiro não pode escolher aleatoriamente um caminho. Que o lado "espiritual" do povo deve ser respeitado, estimulado e protegido não há dúvida. O que não se pode fazer é optar por uma religião em detrimento de outras.
Acredito estar a razão com o nobre Deputado Estadual Presidente da Assembléia, que a tempos atrás entendeu que "nenhum símbolo religioso deve ornamentar qualquer propriedade do Estado, em especial a sede de um dos Poderes, exatamente o Gabinete daquela autoridade que o representa, sob pena de se estar violando a Constituição."
IV - DO ENSINO RELIGIOSO NA
REDE PÚBLICA DE ENSINO
A Constituição da República estabelece em seu artigo 210, parágrafo 1º que as escolas públicas de ensino fundamental deverão ter, obrigatoriamente, em seu curriculum, como matrícula facultativa porém dentro do horário normal de aulas, uma cadeira relacionada ao ensino religioso.
A Constituição não traça, no mencionado dispositivo, nenhum padrão de conduta para o Administrador ou para os educadores com relação à forma que se dará o ensino religioso, muito menos qual o seu conteúdo ou ainda, por ser facultativa a matrícula, não dá nenhuma dica sobre o que farão as crianças que não optarem pelo ensino religioso durante o período em que estiverem sendo ministradas as aulas relacionadas à matéria.
Tais indagações ficaram sem resposta imediata devendo ser feita uma exegese de todo o texto constitucional para que se consiga dar a aplicação correta ao artigo.
Primeiramente, é conveniente repisar-se que não existe uma religião oficial no Brasil. Não existindo religião oficial, não se pode optar pela ensinança dos preceitos de nenhuma religião específica (ou melhor dizendo, não se pode optar pelo ensinamento de apenas uma religião) pois em assim ocorrendo estar-se-ia promovendo o proselitismo patrocinado pelo Poder Público.
Se está proibida a ensinança de determinada religião, qual era a intenção do Constituinte?
Cremos que a intenção do Constituinte foi dar a oportunidade para que os alunos, em idade de formação de sua personalidade, possam ter informações para optar, no futuro, livremente por uma religião, ou por nenhuma religião. Na cadeira de ensino religioso deveriam ser transmitidos os fundamentos das maiores religiões existentes no Brasil, com ênfase nos aspectos que lhes são comuns: prática de boas ações, busca do bem comum, aprimoramento do caráter humano etc..
Deixa-se consignado que a implementação do ensino religioso nas escolas públicas vai passar por um grave problema que é a falta de bons profissionais, aptos a transmitir conceitos gerais sobre todas as religiões, sem tentar forçar a prevalência de suas próprias idéias, ou das idéias da religião que representa (é conveniente que se atente que à margem da quase inexistência de tais profissionais, ainda existe, na nossa realidade, a agravante das péssimas condições generalizadas do ensino de nosso país, que como regra geral, infelizmente, não oferece a possibilidade da mantença de bons quadros do magistério dentro do ensino público).
Existe, por outro lado, uma impossibilidade de que os professores sejam recrutados em determinada religião. Deve haver um concurso público em que se exija o conhecimento das linhas gerais de todas as principais religiões existentes no Brasil: religiões de origem africana, católica, evangélica, judaica, muçulmana, budista etc., pois só assim os professores estarão, pelo menos em tese, aptos a transmitir as idéias com um grau relativo de isenção.
Outra questão que deverá ser solucionada é a relativa a facultatividade da matrícula. Será que existe a facultatividade constitucionalmente prevista? Sendo que a matéria relativa ao ensino religioso deverá ser ministrada no horário normal de aula, aonde ficarão os alunos que não fizerem a opção por ela? Se não houver uma opção viável, não há que se falar em facultativa. Se a opção for ficar sem fazer nada durante o período das aulas, ou ainda, ficar tendo aula de uma das matérias tradicionais, com certeza a "facultatividade" estará ameaçada.
Por derradeiro, outro ponto a ser analisado é relacionado à pressão do grupo: se noventa por cento de uma classe se dispuser a ter aula de determinada religião (no caso de não ser seguida a interpretação que fizemos relacionada com a obrigatoriedade de serem ministradas aulas sobre todas as correntes religiosas), como se sentirão os dez por cento da classe que por não fazerem parte da religião majoritária, ou por não possuírem nenhuma convicção religiosa? Fatalmente o grupo exercerá uma forte pressão sobre as crianças que ainda estão em estágio de formação de idéias.
Pelos argumentos colacionados cremos que foi infeliz o legislador constituinte ao determinar que o ensino religioso deva ser ministrado dentro do horário normal das escolas públicas, devendo, portanto, ser revisto este dispositivo, pois está em contradição com o bojo da Constituição Federal no tocante à separação obrigatória entre o Estado e os entes religiosos, sob pena do Estado vir a patrocinar o proselitismo.
Iso Chaitz Scherkerkewitz
IV - DO ENSINO RELIGIOSO NA
REDE PÚBLICA DE ENSINO
A Constituição da República estabelece em seu artigo 210, parágrafo 1º que as escolas públicas de ensino fundamental deverão ter, obrigatoriamente, em seu curriculum, como matrícula facultativa porém dentro do horário normal de aulas, uma cadeira relacionada ao ensino religioso.
A Constituição não traça, no mencionado dispositivo, nenhum padrão de conduta para o Administrador ou para os educadores com relação à forma que se dará o ensino religioso, muito menos qual o seu conteúdo ou ainda, por ser facultativa a matrícula, não dá nenhuma dica sobre o que farão as crianças que não optarem pelo ensino religioso durante o período em que estiverem sendo ministradas as aulas relacionadas à matéria.
Tais indagações ficaram sem resposta imediata devendo ser feita uma exegese de todo o texto constitucional para que se consiga dar a aplicação correta ao artigo.
Primeiramente, é conveniente repisar-se que não existe uma religião oficial no Brasil. Não existindo religião oficial, não se pode optar pela ensinança dos preceitos de nenhuma religião específica (ou melhor dizendo, não se pode optar pelo ensinamento de apenas uma religião) pois em assim ocorrendo estar-se-ia promovendo o proselitismo patrocinado pelo Poder Público.
Se está proibida a ensinança de determinada religião, qual era a intenção do Constituinte?
Cremos que a intenção do Constituinte foi dar a oportunidade para que os alunos, em idade de formação de sua personalidade, possam ter informações para optar, no futuro, livremente por uma religião, ou por nenhuma religião. Na cadeira de ensino religioso deveriam ser transmitidos os fundamentos das maiores religiões existentes no Brasil, com ênfase nos aspectos que lhes são comuns: prática de boas ações, busca do bem comum, aprimoramento do caráter humano etc..
Deixa-se consignado que a implementação do ensino religioso nas escolas públicas vai passar por um grave problema que é a falta de bons profissionais, aptos a transmitir conceitos gerais sobre todas as religiões, sem tentar forçar a prevalência de suas próprias idéias, ou das idéias da religião que representa (é conveniente que se atente que à margem da quase inexistência de tais profissionais, ainda existe, na nossa realidade, a agravante das péssimas condições generalizadas do ensino de nosso país, que como regra geral, infelizmente, não oferece a possibilidade da mantença de bons quadros do magistério dentro do ensino público).
Existe, por outro lado, uma impossibilidade de que os professores sejam recrutados em determinada religião. Deve haver um concurso público em que se exija o conhecimento das linhas gerais de todas as principais religiões existentes no Brasil: religiões de origem africana, católica, evangélica, judaica, muçulmana, budista etc., pois só assim os professores estarão, pelo menos em tese, aptos a transmitir as idéias com um grau relativo de isenção.
Outra questão que deverá ser solucionada é a relativa a facultatividade da matrícula. Será que existe a facultatividade constitucionalmente prevista? Sendo que a matéria relativa ao ensino religioso deverá ser ministrada no horário normal de aula, aonde ficarão os alunos que não fizerem a opção por ela? Se não houver uma opção viável, não há que se falar em facultativa. Se a opção for ficar sem fazer nada durante o período das aulas, ou ainda, ficar tendo aula de uma das matérias tradicionais, com certeza a "facultatividade" estará ameaçada.
Por derradeiro, outro ponto a ser analisado é relacionado à pressão do grupo: se noventa por cento de uma classe se dispuser a ter aula de determinada religião (no caso de não ser seguida a interpretação que fizemos relacionada com a obrigatoriedade de serem ministradas aulas sobre todas as correntes religiosas), como se sentirão os dez por cento da classe que por não fazerem parte da religião majoritária, ou por não possuírem nenhuma convicção religiosa? Fatalmente o grupo exercerá uma forte pressão sobre as crianças que ainda estão em estágio de formação de idéias.
Pelos argumentos colacionados cremos que foi infeliz o legislador constituinte ao determinar que o ensino religioso deva ser ministrado dentro do horário normal das escolas públicas, devendo, portanto, ser revisto este dispositivo, pois está em contradição com o bojo da Constituição Federal no tocante à separação obrigatória entre o Estado e os entes religiosos, sob pena do Estado vir a patrocinar o proselitismo.
Iso Chaitz Scherkerkewitz
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