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quinta-feira, dezembro 18, 2025

A Paisagem Moral - Como a Ciência Pode Determinar os Valores Humanos.

 Ensaio Sobre a obra de Sam Harris – A Paisagem Moral                         

Dinalva Heloiza


Durante séculos, a moralidade foi tratada como um território quase sagrado, reservado à religião, à filosofia abstrata ou às tradições culturais. Questionar se a ciência poderia ter algo relevante a dizer sobre o que é certo ou errado soava, para muitos, como uma ameaça à própria ideia de ética.

Em A Paisagem Moral: Como a Ciência Pode Determinar os Valores Humanos, Sam Harris propõe uma ruptura profunda com essa visão, defendendo que os valores humanos não estão fora do alcance do conhecimento científico — ao contrário, eles estão intimamente ligados ao funcionamento do cérebro e à experiência consciente.

Harris parte de uma premissa simples, mas provocadora: a moralidade diz respeito ao bem-estar de seres conscientes. Se isso é verdade, então compreender o que aumenta ou diminui esse bem-estar não pode ser apenas uma questão de opinião pessoal ou tradição cultural. Trata-se de um problema que envolve fatos sobre o mundo, sobre o cérebro humano e sobre as consequências reais das nossas ações.

A metáfora da paisagem moral

Para tornar essa ideia mais clara, Harris introduz a metáfora da paisagem moral. Imagine um vasto território, cheio de picos e vales. Os picos representam estados de maior bem-estar, felicidade, equilíbrio psicológico e cooperação social. Os vales, por outro lado, simbolizam sofrimento extremo, violência, opressão e miséria emocional. Cada ponto dessa paisagem corresponde a uma forma possível de organização da vida individual e coletiva.

Segundo Harris, nem todos os caminhos morais levam a lugares equivalentes. Algumas sociedades, práticas e escolhas conduzem claramente a estados mais saudáveis e satisfatórios da experiência humana, enquanto outras produzem dor sistemática e colapso social. Negar isso, afirma ele, seria o mesmo que negar que existem estados mais saudáveis ou mais doentes do corpo humano.

O papel do cérebro na formação dos valores

Um dos eixos centrais do livro é a conexão entre valores morais e o funcionamento do cérebro. Harris argumenta que aquilo que chamamos de “valores” emerge diretamente de processos neurais: emoções, empatia, medo, prazer, sofrimento, apego e cooperação têm bases biológicas claras. A neurociência mostra, por exemplo, que experiências de compaixão, justiça e segurança ativam circuitos cerebrais associados ao bem-estar, enquanto ambientes marcados por violência, humilhação e ameaça crônica deixam marcas profundas no cérebro, gerando estresse, ansiedade e desorganização emocional.

Nesse sentido, valores não são abstrações flutuando fora da realidade material. Eles estão ancorados em como o cérebro responde às condições de vida. Quando uma cultura normaliza práticas que geram trauma psicológico, repressão ou medo constante, ela não está apenas adotando “outros valores”, mas empurrando seus membros para regiões mais profundas dos vales da paisagem moral.

Ciência, fatos e escolhas morais

Harris não afirma que a ciência cria valores do nada. O que ele sustenta é que, uma vez que aceitamos que o bem-estar importa, a ciência se torna indispensável para orientar escolhas morais melhores. Assim como recorremos à medicina para entender o que promove a saúde física, podemos recorrer à psicologia, à neurociência e às ciências sociais para entender o que promove uma vida mental e social mais equilibrada.

A ciência pode revelar, por exemplo:

  • quais práticas educacionais favorecem empatia e cooperação;
  • como a desigualdade extrema afeta o cérebro e o comportamento;
  • de que forma ambientes seguros e previsíveis impactam o desenvolvimento emocional;
  • quais políticas reduzem sofrimento e ampliam a qualidade de vida coletiva.

Esses dados não são neutros do ponto de vista moral, porque apontam claramente quais caminhos produzem mais florescimento humano.

Uma crítica ao relativismo moral

Um dos alvos mais fortes de Harris é o relativismo moral — a ideia de que não existem critérios objetivos para julgar práticas culturais ou decisões éticas. Para ele, dizer que “tudo depende do ponto de vista” ignora o fato de que algumas práticas causam danos mensuráveis ao cérebro e à experiência consciente. Se uma tradição promove dor extrema, medo constante ou anula a autonomia mental dos indivíduos, há boas razões para considerá-la moralmente inferior, independentemente de sua origem cultural ou religiosa.

Harris insiste que reconhecer verdades morais objetivas não significa impor um modelo único de vida boa, mas admitir que existem limites claros para o sofrimento aceitável e que a ciência pode ajudar a identificá-los.

Moralidade como um campo em construção

Importante destacar que Harris não apresenta a ciência como um oráculo infalível. Ele reconhece que dilemas morais complexos continuarão exigindo debate, reflexão e sensibilidade humana. O ponto central é outro: não faz sentido excluir a ciência da conversa moral, quando ela é justamente a ferramenta mais poderosa que temos para compreender o cérebro, o comportamento e as consequências das nossas escolhas.

Em vez de tratar a moralidade como um território intocável, Harris convida o leitor a vê-la como um campo em evolução — um espaço onde conhecimento empírico, ética e responsabilidade caminham juntos.

Considerações finais

A Paisagem Moral propõe uma mudança de paradigma: compreender que os valores humanos estão profundamente conectados à biologia da mente e à experiência consciente. Ao integrar ciência e ética, Sam Harris não busca reduzir a moralidade a números ou fórmulas, mas oferecer uma base mais honesta e responsável para decidir como devemos viver.

No fundo, sua pergunta é simples e poderosa: se podemos saber mais sobre o que faz os seres humanos sofrerem ou florescerem, por que escolheríamos a ignorância?

 

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