Resultados voltam a avisos anteriores: os países em desenvolvimento ficam vulneráveis na medida em que os cortes fiscais e as reformas do mercado de trabalho nos países desenvolvidos prejudicam a recuperação da recessão.
Como previsto pelos economistas da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), austeridade fiscal e compressão salarial estão enfraquecendo ainda mais o crescimento nos países desenvolvidos, sem alcançar os resultados esperados de redução de déficits fiscais, criação de empregos e renovação de confiança dos mercados financeiros, diz Relatório de Comércio e Desenvolvimento 2012.
A publicação, com o subtítulo “Políticas para o crescimento inclusivo e equilibrado”, foi divulgada hoje (12). Ela se concentra especialmente na desigualdade de renda e diz que a redução do agravamento das disparidades na riqueza e renda não só trará benefícios sociais, mas também levará a um maior crescimento econômico. (Ver adiante)
- O Relatório de Comércio e Desenvolvimento 2012, observa que muitos países em desenvolvimento estão apoiando a demanda e o crescimento domésticos com políticas econômicas contracíclicas. Mas sustenta que eles não podem evitar uma desaceleração e são vulneráveis a uma contínua deterioração das economias desenvolvidas.
Avisos foram emitidos pela UNCTAD, ao longo dos últimos dois anos, de que uma série de países desenvolvidos estão trocando muito cedo as medidas de estímulo econômico por cortes no orçamento do governo. O resultado, de acordo com o relatório, é que, sem gastos suficientes do Estado para injetar alguma vida no mercado doméstico, a demanda já fraca por bens e serviços estagnou ou enfraqueceu ainda mais. Ao invés de aumentar os negócios e a confiança do mercado financeiro, a abordagem tem deixado muitas empresas pessimistas sobre o futuro e sem vontade de investir em nova produção ou contratar novos trabalhadores.
Tendências gerais
Na sua avaliação das tendências da economia global, o relatório adverte que o crescimento está desacelerando em todas as regiões do mundo, paralisado em parte pelas medidas de austeridade que estão prejudicando a demanda nos mercados dos principais países desenvolvidos, reduzindo assim as perspectivas de exportação dos países em desenvolvimento. Um número de países em desenvolvimento está realizando políticas contínuas anticíclicas que apoiam a demanda doméstica, diz o relatório, mas estas não serão suficientes se o crescimento não atingir as grandes economias avançadas.
O crescimento global caiu de 4,1% em 2010 para 2,7% em 2011, mostram os números do relatório. Uma queda ainda maior é esperada pela UNCTAD – de menos de 2,5% – em 2012.
O relatório prevê uma queda nos países desenvolvidos para um crescimento de apenas 1% este ano – uma combinação de uma recessão renovada na União Europeia com o crescimento de cerca de 2% nos Estados Unidos e Japão.
A expansão econômica nas economias em desenvolvimento e em transição deverá ser mais forte ao longo de 2012 – 5% e 4%, respectivamente –, mas também abaixo de anos anteriores. O mundo em desenvolvimento, impulsionado pelo progresso em várias grandes economias, é menos dependente do que costumava ser das economias maduras e desenvolvidas, e tem uma demanda doméstica mais resistente. O relatório observa que, entre 2006 e 2012, cerca de 74% do crescimento da produção global foi gerado nos países em desenvolvimento, em comparação com apenas 22% nos países desenvolvidos. Nos anos 1980 e 1990, por outro lado, os países desenvolvidos foram responsáveis por 75% do crescimento global, uma proporção que caiu para pouco mais de 50% entre 2000 e 2006.
No entanto, os países em desenvolvimento ainda são vulneráveis ao enfraquecimento da demanda por suas exportações das economias desenvolvidas, afirma o relatório, e é provável que seja esse o caso, uma vez que os programas de austeridade continuam e especialmente porque eles atingem mais profundamente a Europa. A tendência já se reflete na estagnação de volumes de exportação para mercados de países desenvolvidos e em uma tendência de queda nos preços das commodities desde o segundo trimestre de 2011. Além disso, a instabilidade financeira nos países desenvolvidos está afetando os fluxos financeiros para as economias de mercado emergentes e aumentando a volatilidade inerente dos preços das commodities, afirma o relatório.
Advertências sobre programas de austeridade foram dadas pela UNCTAD já em 2010, argumentando que os problemas estavam sendo mal diagnosticados – que o desafio para a recuperação não foi o aumento da dívida do governo, mas a falta de demanda interna. O Relatório de Comércio e Desenvolvimento 2010 advertiu que “há um alto risco de que a retirada dos estímulos fiscais antes do retorno do forte consumo e investimento interno prejudicará a recuperação econômica”.
O relatório deste ano diz que esses temores foram confirmados, e que o principal problema que dificulta a recuperação da recessão global são as pressões de recessão nos países desenvolvidos. Isto inclui ajustes de balanço no setor privado, desemprego elevado, o que diminui as receitas domésticas e dificulta o consumo das famílias, e governos lutando prematuramente para reduzir suas dívidas. Essas políticas não só diagnosticaram erroneamente as causas da crise – déficits fiscais elevados foram o resultado e não a causa da crise – mas também subestimaram os impactos negativos das políticas macroeconômicas que restringem a demanda no meio de uma recessão. De fato, com o crescimento hesitante, as receitas fiscais e a consolidação orçamental têm sido abaixo das expectativas em vários países, não conseguindo restaurar a confiança dos investidores. A escalada da dívida pública deve ser tratada, mas a longo prazo isso será alcançado através da restauração do crescimento e das receitas fiscais, diz o relatório. Além disso, ao enfraquecerem ainda mais a dinâmica de crescimento, as políticas salariais de compressão em países desenvolvidos tendem a aumentar o desemprego, em vez de estimular o investimento e a criação de emprego. Reduzir os custos de trabalho em muitos países com fortes laços comerciais, ao mesmo tempo em que não melhoraria significativamente a competitividade em nenhum deles, seria também contraproducente, pois restringiria a demanda doméstica em todos os lugares, afirma o Relatório de Comércio e Desenvolvimento 2012.
Nesta situação, as reformas estruturais não podem ser um substituto para políticas macroeconômicas de apoio, enfatiza o relatório. No entanto, elas podem contribuir para uma recuperação quando criarem ou reforçarem as redes de segurança social e ampliarem o papel econômico de apoio do Estado, como está acontecendo em vários países em desenvolvimento. As reformas também devem abordar as raízes das causas da crise, reformando os sistemas financeiros nacionais e internacionais e revertendo a tendência de aumento da desigualdade de renda que a maioria dos países têm sofrido desde a década de 1980, diz o relatório. Ele observa, no entanto, que as reformas propostas atualmente em vários países desenvolvidos – incluindo as políticas de flexibilização do trabalho – tendem a diminuir ainda mais os salários reais, limitar a demanda interna e ampliar as diferenças de renda.
A CRESCENTE DESIGUALDADE NÃO É INEVITÁVEL, DIZ RELATÓRIO – E AS ECONOMIAS TERÃO MELHOR DESEMPENHO COM UMA MAIOR DESTRIBUIÇÃO DE RENDA
As causas para a tendência de longa duração variam, aponta Relatório de Comércio e Desenvolvimento, mas o rumo pode ser revertido por meio de políticas fiscais do governo e de políticas para o mercado de trabalho.
Expandir as desigualdades de renda e riqueza em todo o mundo não é um subproduto inevitável da globalização e da inovação tecnológica, argumenta um novo relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). O estudo afirma que a crescente concentração de renda limita o potencial econômico das nações ao diminuir a procura de bens e serviços e ao reduzir as perspectivas educacionais e a mobilidade social de suas populações mais amplas – subexplorando assim seus talentos e possíveis progressos econômicos. Os resultados podem e devem ser revertidos pela intervenção do governo por meio de fiscalização e da criação de políticas para o mercado de trabalho, ressaltou o documento.
O Relatório de Comércio e Desenvolvimento 2012, cujo subtítulo é “Políticas para o crescimento inclusivo e equilibrado”, foi lançado hoje (12).
As tendências dos últimos 30 anos mostram a desigualdade de renda crescente, tanto dentro dos países quanto entre eles. A distribuição salarial da renda total foi reduzida na maior parte dos Estados mais desenvolvidos e em muitos em desenvolvimento. Por exemplo, ela caiu cinco pontos percentuais ou mais na Austrália, no Reino Unido e nos Estados Unidos e em 10 pontos percentuais ou mais na França, Alemanha e Irlanda. Em muitos países, os 1% mais ricos da população respondem por 10 a 20% da riqueza nacional.
Mudanças semelhantes ocorreram na comparação entre os países. Enquanto em 1980, a renda per capita dos 15 países mais ricos era 44 vezes maior que os 15 mais pobres, em 2000 cresceu para 62. O relatório observa, no entanto, que em 2009 houve um melhor desempenho econômico em vários países em desenvolvimento; a taxa caiu para 56.
Por conta do grande avanço da globalização ao longo deste período de 30 anos, afirma o relatório, vários economistas têm argumentado que as disparidades crescentes de renda são o resultado necessariamente do comércio internacional rapidamente crescente e dos fluxos financeiros, e de avanços rápidos na tecnologia.
Mas o estudo diz que este resultado é inevitável e que os governos podem políticas fiscais e de mercado de trabalho para reduzir as diferenças salariais.
O relatório observa que a meta pela redução da desigualdade é a mais válida, não só por razões de justiça e bem-estar social, mas porque iria melhorar o desempenho econômico. Famílias de baixa e média renda gastam proporções muito maiores de seus salários em consumo, avalia o documento – e o consumo cria a demanda que impulsiona as economias modernas. A fraca recuperação da recessão de 2009 em economias de países desenvolvidos está diretamente ligada à falta de demanda.
Segundo a análise, o aumento na proporção de renda que vai para os ricos contribuiu para a crise financeira global. Em alguns países desenvolvidos, a compensação extremamente elevada paga aos executivos, gerentes e agentes financeiros era frequentemente relacionada à tomada excessiva de riscos em busca de lucros de curto prazo e de dividendos para os acionistas, enquanto os trabalhadores assalariados foram forçados a se endividar para manter seus padrões de vida. “A excessiva concentração de renda foi um dos fatores que levaram à crise global, uma vez que esteve relacionada a incentivos perversos para pessoas com altos ganhos e ao endividamento elevado em outras faixas salariais”, diz o relatório. O texto prevê que não haverá uma recuperação significativa da recessão até que os grupos de baixa e média renda alcancem recursos suficientes para gastar em consumo.
A maior distribuição de renda também é valida a longo prazo, sustenta o Relatório de Comércio e Desenvolvimento. Isso porque a alta desigualdade priva muitas pessoas do acesso à educação e ao crédito, e impede a expansão dos mercados internos. Ao longo de anos e décadas, essa privação acarretará em um enorme desperdício do potencial econômico dos países. Assim, um melhor padrão de repartição salarial estimula e sustenta o crescimento econômico em curto prazo e oferece incentivos mais fortes para a criação de investimentos, inovação e emprego, diz o estudo.
Nos países desenvolvidos, as desigualdades crescentes resultaram, em parte, das mudanças de comportamento no setor corporativo. Ao invés de reagir a uma maior concorrência internacional por meio de melhoria de produtividade do investimento, as empresas tendem a criar lucros ao deslocar sua produção para países de baixos salários e/ou mantendo baixos salários pela simples ameaça de abandonar o país. Grande parte dos lucros resultantes foram utilizados para pagamentos de dividendos e a recompra de ações para maximizar o valor do acionista. Como resultado, a contenção salarial nacional tem sido acompanhada por ações de rendimento crescentes entre os grupos de alta renda, incluindo os rentistas e os “trabalhadores ricos” posicionados em cargos de alto escalão.
Nas economias em desenvolvimento e em transição, os resultados distributivos da globalização e das inovações tecnológicas são dependentes das alterações nas estruturas de produção, afirma o relatório. O deslocamento do trabalho da agricultura para atividades de maior produtividade, tais como industriais, pode inicialmente ter efeitos distributivos adversos, como na China – ou seja, os operários recebem muito mais do que os agricultores, e enquanto todos os trabalhadores estão em melhor situação, eles estão em melhor situação em diferentes graus.
No entanto, quando a globalização liderada pelas finanças conduz à prematura desindustrialização e/ou à instabilidade financeira e às crises, como na América Latina e nas economias de transição, as oportunidades de trabalho se deslocam da indústria para as atividades menos produtivas – como os serviços informais e ocupações precárias – ou os trabalhadores desempregados tendem a diminuir os níveis salariais e aumentar as desigualdades de renda. Crises financeiras e privatizações prolongadas de empresas estatais também alteraram a estrutura das empresas, resultando no aumento da riqueza e da concentração de renda, concluiu o relatório.
RELATÓRIO AFIRMA QUE REDUZIR A DESIGUALDADE ATRAVÉS DE POLÍTICAS FISCAIS E DE RENDA É FUNDAMENTAL PARA O CRESCIMENTO E O DESENVOLVIMENTO
O Relatório de Comércio e Desenvolvimento 2012 diz que os governos podem adotar tributação progressiva, gasto social e incentivar o aumento salarial em conformidade com o crescimento da produtividade.
A crença predominante desde os anos 1980 de que os governos, na busca de maior eficiência econômica, têm que tolerar uma maior desigualdade não é verdade, diz um novo relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), que recomenda medidas que podem ser tomadas para reduzir as disparidades de renda ao impulsionar o crescimento econômico.
O Relatório de Comércio e Desenvolvimento 2012, cujo o subtítulo é “Políticas para o crescimento inclusivo e equilibrado”, foi lançado hoje.
O documento diz que políticas que preservem a proporção de trabalhadores na renda nacional e redistribuam renda por meio da tributação progressiva e dos gastos públicos melhoram a igualdade, bem como a eficiência econômica e o crescimento.
Durante anos, a abordagem dominante para a política fiscal tem procurado minimizar a intervenção do Estado e eliminar a alegada distorção da tributação progressiva. Nos mercados de trabalho, a política foi reorientada rumo a uma maior flexibilidade na formação dos salários e à menor proteção ao trabalho, o que neste ponto de vista desestimula a contratação. Estas reformas estruturais contribuíram para a crescente desigualdade de renda sem levar a melhores serviços sociais, maior investimento, maior criação de emprego e crescimento, diz o relatório.
A partir dos anos 1980 e 1990, as políticas fiscais também tenderam a reduzir a percentagem de impostos sobre a renda direta nas receitas do governo, aumentando a parcela de impostos indiretos tais como o imposto sobre o valor acrescentado. Em muitos países, as políticas também procuraram reduzir o “tamanho do Estado” em termos de despesa primária em percentagem do produto interno bruto. No entanto, a menor tributação dos grupos de alta renda e a contenção da despesa pública em geral não resultam em um maior investimento, seja ele público ou privado, observa o relatório.
A experiência recente, especialmente na América Latina e outros países em desenvolvimento, sugere que a tributação progressiva e o aumento dos gastos públicos, incluindo transferências sociais e prestação de bens e serviços essenciais para grupos de baixa renda, podem contribuir fortemente para o processo de crescimento inclusivo, afirma o relatório. Ele acrescenta que esta abordagem poderia reduzir a desigualdade de renda e proporcionar ao mesmo tempo a perspectiva de expansão da demanda, o que é necessário para as empresas aumentarem o investimento.
É possível melhorar a arrecadação de impostos e torná-la mais progressiva, sem afetar negativamente os incentivos econômicos, observa o relatório. Por exemplo, a tributação poderia ser aumentada com rendimentos superiores resultantes de atividades “rent-seeking” – isto é, atividades direcionadas mais para o aumento da fatia do bolo de algumas poucas pessoas em posições-chave – em comparação com os lucros da atividade empresarial e do trabalho produtivo, que aumentam o tamanho do bolo em si.
Em países em desenvolvimento ricos em recursos, os governos devem se apropriar de uma parte equitativa das rendas das commodities e assegurar que beneficiem toda a população e não apenas a alguns atores nacionais e estrangeiros, recomenda o relatório.
Ao alargar o espaço fiscal, os governos podem aplicar políticas anticíclicas – como as que são necessárias para aumentar a demanda durante a atual crise econômica –, bem como redistribuir renda e investimento financeiro para o crescimento mais sustentável e inclusivo, afirma o relatório.
O Relatório de Comércio e Desenvolvimento 2012 também argumenta que o paradigma da flexibilização do mercado de trabalho não só falhou em reduzir o desemprego, mas tende a agravá-lo. Ao confiar na compressão salarial como a principal ferramenta para a expansão do emprego, tais reformas do mercado de trabalho descartam a contribuição importante da distribuição de renda para o crescimento da demanda e a criação de emprego. Se a produtividade global cresce sem um aumento proporcional dos salários, a demanda acabará por ficar aquém do potencial de produção, reduzindo assim a utilização da capacidade, os lucros e os investimentos, diz o relatório.
Além disso, ao promover a diferenciação de salário ao nível da empresa – em outras palavras, a determinação dos salários em cada negócio individual, e não por negociação coletiva ou estabelecimento de padrões mais amplos –, estas reformas prejudicariam os incentivos ao investimento, à inovação e aos ganhos de produtividade das empresas, diz o relatório. Na verdade, se as empresas menos eficientes podem compensar os seus lucros mais baixos com cortes de salários, elas não são obrigadas a aumentar sua produtividade para sobreviver.
A negociação coletiva, complementada por recomendações do governo ou orientações gerais, deve impedir que a participação dos salários na renda nacional caia, como ocorreu em muitos países nos últimos anos. Em vez disso, os salários podem aumentar em conformidade com o crescimento da produtividade global e das metas de inflação. Essa abordagem também impediria o surgimento de grandes diferenças de salários para ocupações similares, diz o relatório.
Outros instrumentos podem ser utilizados para corrigir os resultados do mercado em favor das pessoas com pouco poder de negociação ou dos excluídos do setor formal. Tais instrumentos incluem salários mínimos legais, emprego público maior e medidas para aumentar a renda do trabalhador empregado informalmente e do trabalhador autônomo, diz o relatório.
Fonte: UNIC Rio