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sábado, dezembro 22, 2012

Frank La Rue, Relator Especial da ONU sobre Liberdade de Expressão e Opinião, em visita ao Brasil, fala sobre Liberdade de Imprensa e a Ação Direta de Inconstitucionalidade que tramita no STF, onde emissoras de televisão propõe o fim da classificação indicativa.


Dinalva Heloiza

             Frank La Rue, Relator especial da ONU sobre Liberdade de Expressão e Opinião

Em visita recente ao Brasil, Frank La Rue, Relator Especial da ONU sobre Liberdade de Expressão e Opinião, onde a convite do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), e a coordenação da Campanha “Para expressar a Liberdade”. 

Durante sua apresentação no Fórum, que aconteceu na quinta (13), La Rue, afirmou: “ que o direito a liberdade de expressão, é um direito humano, e não um direito absoluto”, em um alerta aos limites e exceções que envolvem esta categoria de liberdade humana, referindo-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) propondo o fim da punição às emissoras de televisão que não cumprem  a classificação indicativa. La Rue, se declarou “assustado e escandalizado”, com a Ação.

Foi perceptível o descontentamento de alguns veículos de comunicação com o que foi dito por La Rue  neste aspecto, mas se observarmos que o Brasil ainda se encontra em 84º em índice de Desenvolvimento Humano, e com um dos maiores índices de desigualdade em todo o mundo, além do que o nível de conteúdo que ainda, e na maioria das vezes, é veiculado nestas emissoras, se torna realmente inviável, até o momento, a liberação da classificação indicativa.

Frank La Rue lembrou como exemplo, que os direitos das crianças devem ser preservados, se sobrepondo – se necessário – à liberdade de imprensa, por exemplo.

O STF poderá tornar ineficaz a classificação indicativa da programação da televisão, de responsabilidade do Ministério da Justiça, caso seja aprovada a ADI que questiona multas para exibição de programas em horário diferente do indicado. O Ministro Antonio Dias Toffoli, do STF, e o relator da ação votaram no fim de novembro pelo fim da classificação indicativa, mas a ação foi interrompida após pedidos de vistas.

La Rue, comentou – Não é possível que um Tribunal Constitucional encontre  uma contradição entre proteger as crianças e proteger a liberdade de expressão. É uma falsa contradição. A liberdade de expressão, segundo o artigo 19 (do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, em vigor no Brasil), tem limitações. É preciso defini-las para que não haja abusos, mas são limitações”, afirmou. “Uma sociedade que não pode proteger suas crianças terá crises no futuro, e não pode proteger fundamentalmente os direitos humanos”.

Ainda sobre os três princípios que estas limitações possuem, e que devam sempre ser considerados, La Rue, explicou  : uma lei prévia; a necessidade de defender um direito humano; e, que as medidas tomadas sejam proporcionais à proteção deste direito.

Ele comentou ainda, que a necessidade de regulação das comunicações, são por vezes necessárias para se alinhar a uma ordem, mas nunca para limitar os conteúdos. “ Há sim limitações legítimas à liberdade de expressão, mas unicamente estabelecidas para proteger os direitos humanos de outros. Quando o abuso e o excesso da liberdade da expressão pode criar um dano, como é o caso da proteção das crianças neste caso específico.

Ampliando ainda mais o diálogo, La Rue, procurou diferenciar as liberdades de expressão, imprensa e de empresa. “As pessoas me perguntam se liberdade de expressão e liberdade de imprensa são sinônimos. O que digo para todos é que a liberdade de imprensa é parte da liberdade de expressão.  É um componente.  A liberdade de expressão é muito mais ampla. A liberdade de expressão para mim é um direito que se pode exercer como indivíduo, coletivamente ou como povo. No último caso, o povo se manifesta por meio de sua cultura, seus idiomas, suas tradições e seus valores. E a expressão pública dessas tradições e valores, essa cultura, esse idioma, também é liberdade de expressão, como um direito do povo”, explicou”.

O relator Especial sinalizou que não se deve esquecer que meios comunitários também devem ser considerados como representantes da imprensa, assim como os meios comerciais. “Um repórter comunitário ou um locutor de uma rádio comunitária também é um jornalista, e também merece ser protegido”, lembrou.

La Rue ressaltou ainda, que os jornalistas não se definem pelo título, nem por algum registro oficial, nem tampouco por uma associação profissional. “Essas três coisas são boas, mas nunca podem ser condições. É um ato voluntário do jornalista. O jornalismo se define pela função, que é de organizar a informação e informar a algum setor específico da população”, afirmou, ressaltando a importância, por exemplo, do jornalismo cidadão – utilizado nos blog.

“Mas também há cidadãos, como no caso do desastre recente no Japão, que tiram fotografias, o mesmo ocorrendo com cidadãos valentes da Síria e de outros lugares com seus telefones com câmera, subindo informação para a Internet. Este jornalismo também deve ser protegido, e é igualmente importante. Não se deve confundir liberdade de imprensa com liberdade de empresa. A liberdade de empresa é a liberdade de mercado. É outra coisa, são temas econômicos. A liberdade de imprensa não necessita da regra de mercado nem se faz pela regra de mercado”, disse.

Ele também defendeu a não criminalização do chamado jornalismo de humor, citando as caricaturas ou os textos irônicos.

O relator traçou um diferencial entre liberdade de imprensa e o discurso do ódio, expressamente proibido no artigo 20 do Pacto sobre os Direitos Civis e Políticos – o Estado deve proibir por lei, diz o texto, qualquer mensagem que incite ao ódio, à hostilidade e à violência.

“O ódio é um sentimento que provoca ação. Quando a mensagem é pública e incita ao ódio, com efeito negativo concreto que se converte em discriminação, deve ser proibida. Estes [ódio, hostilidade e violência] são os três fatores fundamentais que marcaram a Segunda Guerra Mundial e que fundamentaram os documentos de direitos humanos – incluindo a questão de gênero”, disse La Rue.

Quanto ao monopólio ou oligopólio no setor de comunicações, La Rue afirmou que o problema pode ser combatido na área comercial, com leis propriamente comerciais. “Existem leis antimonopolistas, que tratam da concorrência desleal, em todo o tipo de negócio, inclusive para os meios de comunicação. A Itália de Berlusconi [ex-premiê] foi um exemplo de como o monopólio pode ser danoso ao Estado democrático”, disse.

La Rue elogiou a legislação recentemente aprovada na Argentina para o setor audiovisual – conhecida internacionalmente como “Ley de Medios” –, ressaltando o processo democrático que a tornou possível. “A lei foi levada a cada província, onde foram feitas consultas. (…) A lei da Argentina faz um balanço equitativo nas telecomunicações entre interesses comerciais, comunitários e públicos, que na minha visão deveriam ser independentes. Os meios comunitários não são meios comerciais e consequentemente não podem entrar na mesma lógica”, afirmou La Rue, ressaltando que o elogio à lei não deve ser confundido com um elogio genérico ao Governo argentino ou mesmo à Presidenta Cristina Kirchner.

Perguntado sobre o caso do Clárin, que questionou a lei na Justiça, La Rue afirmou que o desenvolvimento atual do tema no país é “um processo importante de desconcentração” e que o Grupo Clarín “é um meio importante”, mas que “confia na justiça da Argentina”.

Ele lembrou que o Governo do Uruguai está por apresentar uma lei semelhante, “até mais avançada”, ao Parlamento – em um processo que classificou como “riquíssimo”. La Rue informou que foi convidado para observar o processo de consulta acerca da legislação uruguaia. “Todo país deve ter um regulador, que deve ser coletivo, com representação de muitos setores, independente e aberto ao diálogo permanentemente”, concluiu.

La Rue criticou recentes posicionamentos de governos como o Equador e a Venezuela, afirmando que é essencial que eles convivam com as críticas sem levar membros da imprensa para a esfera penal. Como exemplo de posicionamento, La Rue citou a ex-Presidenta do Chile, Michelle Bachelet. Segundo o Relator da ONU, durante todo o seu mandato Bachelet teve frequentes divergências com o jornal “El Mercurio”, sem, no entanto, adotar uma “política de enfrentamento”, como “equivocadamente” faz, o Governo da Venezuela.

Sobre o tema, ele ampliou sua análise: “Nenhum funcionário público deve usar o recurso contra a difamação, em qualquer situação. O funcionário público deve estar aberto ao escrutínio público – é parte de seu papel receber as críticas e dialogar”.

Visita de Frank La Rue ao Brasil

Ainda durante sua visita ao Brasil, que aconteceu entre o dia 11 e 15 de dezembro, o Relator teve a oportunidade de encontrar-se com grupos da sociedade civil em São Paulo, no dia 11 de dezembro, que apresentaram alguns casos específicos da situação brasileira. Cerca de 10 organizações estavam presentes e entregaram documentos a La Rue. Entre elas, o Conselho Federal de Psicologia, o Coletivo Intervozes, o Observatório da Mulher, a organização “Artigo 19” e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

“É um privilégio estar reunido com organizações da sociedade civil. Para mim, como relator, o mais importante desse trabalho é o vínculo com a sociedade civil. A responsabilidade dos Estados é de promover e proteger os direitos humanos, mas isso se faz a partir da informação e das atividades que realiza a sociedade civil”, afirmou.

No Brasil, La Rue também participou de um debate na Universidade de Brasília (UnB) e se encontrou também com autoridades brasileiras, como o Ministro da Secretária-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho; o Secretário-Geral do Itamaraty, Embaixador Ruy Nogueira; Paulo Bernardo, Ministro das Comunicações; Maria do Rosário, Ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH); representantes do Ministério Público, do empresariado e do Congresso Nacional. Na sexta-feira (14) e sábado (15), o relator da ONU participou de encontros acadêmicos no Rio de Janeiro.

Com informações da UNICRio e FNDC

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