Dinalva Heloiza
Em 2012, a Agência das Nações Unidas para
Educação, Ciência e a Cultura - UNESCO em Paris, França, publicou em Caderno, o
estudo: Education Sector Responses to Homophic Bullying. Já em 2013, a
Representação da UNESCO no Brasil, publicou uma versão deste conteúdo em
português.
Este caderno foi produzido pelo Setor de
Educação em HIV/Aids e Saúde da UNESCO, e escrito originalmente pela consultora
Kathy Attawell. A publicação começou a ser preparada por Mark Richmond (diretor
aposentado da Divisão de Educação para a Paz e Desenvolvimento Sustentável e
coordenador global para HIV/Aids da UNESCO), e foi concluída por Soo Choi
Hyang, a atual diretora e coordenadora global.
Em sua apresentação o diretor - geral adjunto
da UNESCO para a Educação, Qian Tang, Ph.D., enfatiza sobre as principais
questões que envolve o bullying homofóbico, e que afetam grande parte do atual
cenário que envolve o sistema de ensino em todo o mundo, onde faço um parêntese
para acrescentar às palavras do diretor geral da UNESCO, e tal qual no Brasil,
onde mais especificamente o setor de formulação das políticas, onde centra-se
um grande embate e um tortuoso retrocesso as conquistas alcançadas por toda a
sociedade brasileira, no aspecto da não descriminalização.
Ele lembra que, o bullying homofóbico é um
problema global, e mais, é uma violação dos direitos de alunos e professores, e
que impede a nossa capacidade coletiva em alcançar a Educação de Qualidade para
Todos.
Contudo, até recentemente suas causas e efeitos
tinham recebido pouca atenção. Isso se deve em parte a sensibilidades
específicas do contexto, mas também à falta de reconhecimento e compreensão do
problema.
O necessário aperfeiçoamento e aprofundamento em
boas políticas e práticas visa permitir que professores, administradores, formuladores
de políticas e outros atores da área da educação desenvolvam ações concretas
para tornar a educação mais segura e ainda mais qualificada para todos.
Reconhecendo que o sistema educacional perpassa
as tradicionais salas de aula, afetando lares, comunidades, centros religiosos
e outros contextos de aprendizagem, a UNESCO propõe ao lançar este caderno, uma
ferramenta à disposição, que concentra-se nas práticas educacionais em
ambientes formais de aprendizagem, com vistas à promoção da saúde e harmonia no
ambiente escolar
Embora seu público-alvo seja formado por
formuladores de políticas, planejadores e profissionais na área da educação,
espera-se que estas informações sejam igualmente relevantes aos parceiros
governamentais e organizações da sociedade civil, servindo de inspiração para
abordagens inovadoras de prevenção do bullying homofóbico em uma variedade de
contextos de aprendizagem.
Principais questões abordadas no estudo sobre o
bullying homofóbico:
O bullying homofóbico, é um tipo de bullying
motivado pela orientação sexual, ou identidade de gênero real ou percebida na vítima.
Este caderno explica por que o bullying homofóbico é um assunto importante para
a área da educação, e descreve abordagens atuais e possíveis no setor para
lidar com o problema.
Enfrentar o bullying homofóbico pode ser um
desafio, especialmente em contextos onde a homoafetividade é um assunto
delicado ou ilegal, mesmo que neste aspecto alguns países tenham conseguido
avançar mais que outros. No entanto, em muitos países já existem políticas e
intervenções para prevenir e lidar com o bullying em contextos educacionais que
possam fornecer um marco para a incorporação de ações de enfrentamento ao
bullying homofóbico. Existem, ainda, boas práticas que podem ser aplicadas de
maneira universal, não importando o contexto nacional.
A educação contribui para que os jovens possam desenvolver
conhecimentos e habilidades, além de aumentar as oportunidades de vida que
terão no futuro. Mas frequentar a escola ou a faculdade não tem a ver só com
adquirir conhecimentos, é um ambiente que faculta em muito o maior desenvolvimento
social e psicológico dos jovens. Assim, é importante oferecer a eles um
ambiente seguro e estruturado, com apoio emocional e oportunidades para
interagir com seus colegas, e se integrarem socialmente.
O direito à educação foi reconhecido pela
primeira vez na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, e foi
consagrado no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e na Convenção da
UNESCO contra a Discriminação na Educação. O direito à educação sem
discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero foi estabelecida
nos Princípios de Yogyakarta.
Mas a cada dia alunos pelo mundo afora têm o
direito básico à educação negado por causa do bullying na escola. Muitos pais e
educadores encaram o bullying na escola como “algo normal”, mas o Relatório das
Nações Unidas sobre Violência contra Crianças, de 2006, confirmou que o
bullying é um problema educacional sério.
O relatório indica que, violência e o bullying
motivados por orientação sexual e identidade de gênero são dirigidos a meninas
por professores e colegas do sexo masculino, assim como as jovens lésbicas,
gays, bissexuais e transgêneros (LGBT).
Pesquisas mostram que o bullying por motivos de
orientação sexual e de gênero afeta todos os alunos, percebidos como não conformes
às normas sexuais e de gênero preponderantes no meio, inclusive lésbicas, gays,
bissexuais, transgêneros e intersexuais. Conhecido como bullying homofóbico,
esse tipo específico de bullying tem graves repercussões na educação, violando
o direito à educação e prejudicando o rendimento escolar.
O bullying homofóbico ocorre em todos os
países, independentemente de crenças ou culturas. A discriminação baseada em
orientação sexual e identidade de gênero real ou perceptível aos olhos é tão
inaceitável quanto a discriminação baseada em raça, sexo, cor, deficiência ou
religião. Todos os alunos têm o mesmo direito de acesso a uma educação de
qualidade em um ambiente escolar seguro.
Existe o reconhecimento crescente de que o
bullying homofóbico em instituições de ensino é um problema global que afeta
todos os alunos. E com base nas evidências e experiências apresentadas na
primeira consulta pública das Nações Unidas sobre bullying homofóbico em
instituições de ensino convocada pela UNESCO no Brasil, em dezembro de 2011, é
que foi construído o documento da UNESCO.
A consulta reuniu representantes de Ministérios
da Educação, agências da ONU, ONGs e setor acadêmico de mais de 25 países. Os
participantes emitiram uma declaração conjunta, fazendo um apelo aos governos
para que assegurem o acesso universal à educação de qualidade, eliminando a
prevalência devastadora e inaceitável do bullying homofóbico em instituições de
ensino no mundo inteiro.
Esse apelo foi reforçado pela declaração sobre
o Fim da Violência e Discriminação baseadas em Orientação Sexual e Identidade
de Gênero feita pelo secretário-geral da ONU, em resposta ao relatório
preparado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
O
secretário geral descreveu o bullying homofóbico como “uma afronta moral, uma
grave violação dos direitos humanos” e instou os países a “tomar as medidas
necessárias para proteger as pessoas – todas as pessoas – nos aspectos em que
sobressai a violência e discriminação, inclusive por motivos de orientação
sexual e identidade de gênero”.
Ao destacar a escala e as consequências do
bullying homofóbico, o caderno visa incentivar ações combinadas e compartilhar
boas abordagens para a elaboração de políticas públicas e programas. Lidar com
a questão requer intervenções nos níveis primário, secundário e superior do
sistema educacional; assim, o caderno apresenta exemplos para os três níveis.
Em países onde a orientação sexual e a
identidade de gênero são questões delicadas, as instituições de ensino superior
possivelmente são o melhor lugar para começar. Em contextos menos desafiadores
é mais viável trabalhar em escolas primárias e secundárias, e boa parte das
iniciativas tem se concentrado nesses níveis do sistema educacional. Contudo, é
igualmente importante enfrentar o bullying homofóbico em instituições de ensino
superior, onde estes alunos também estão expostos aos riscos.
Este estudo procura enfatizar a prevenção, já
que oferecer um ambiente seguro de aprendizagem é fundamental para obter um bom
rendimento escolar. Embora o estudo tenha sido projetado para um público
constituído, sobretudo, por formuladores de políticas públicas, planejadores e
profissionais da área de educação, espera-se que possa também interessar e
agregar valor a todos que trabalham com a educação, sexualidade, gênero e
juventude.
Com o objetivo de aprofundar estes aspectos, o
estudo fornece a justificativa para que o bullying homofóbico seja abordado também
pela área de saúde, oferecendo um panorama geral das características, extensão
e consequências do bullying homofóbico nas instituições do ensino.
O estudo oferece também um guia prático, com
sugestões de atividades, as quais, os países podem adaptar àquilo que for
possível fazer nos seus contextos específicos.
O estudo faz ainda um delineamento das
estratégias de prevenção e enfrentamento do bullying homofóbico em instituições
de ensino, destacando exemplos de boas políticas e práticas, assim como achados
de pesquisas, intervenções inovadoras e lições aprendidas.
O que é bullying?
O bullying incita ocorrências sob várias
formas, como rir de alguém, provocar, usar apelidos pejorativos, manipulação
psicológica, violência física ou exclusão social, a partir do avanço da internet, outra prática
que vem mostrando crescentes ocorrências é cyberbullying. Um agressor pode
operar sozinho ou com um grupo de colegas.
O bullying pode ser direto, como quando uma
criança exige o dinheiro ou as coisas de outra criança, ou indireto, quando um
grupo de alunos espalha boatos sobre outro. O cyberbullying é uma forma de
assédio que ocorre por e-mail, celular, mensagens de texto ou sites
difamatórios.
Crianças podem ser mais vulneráveis ao bullying
quando convivem com deficiências, expressam uma preferência sexual diferente da
norma, ou vêm de uma minoria étnica ou cultural, ou de um determinado meio
socioeconômico. Tanto agressores quanto suas vítimas terminam por ter
dificuldades interpessoais e queda no rendimento escolar.
Alunos que são vítimas de bullying têm uma
maior propensão a sofrer de depressão, solidão, ansiedade ou baixa autoestima
que seus colegas. Os agredidos com frequência agem de maneira agressiva por
frustração, humilhação e raiva, ou por serem socialmente ridicularizados.
Atualmente o bullying, é um dos fatores com maior responsabilidade pelos
índices em suicídios em todo o mundo.
Em uma pesquisa realizada pela ONG BeLonG To, jovens homoafetivas Irlandesas descreveram
sua experiência com bullying homofóbico.
Uma delas relatou: “Já fui vítima de bullying homofóbico em várias ocasiões, dentro e fora da
escola. Fui atacada fisicamente três vezes nos últimos cinco anos. Fui agredida
verbalmente por causa da minha sexualidade por uma professora e por alunos.
Também já vi outras pessoas sofrendo bullying homofóbico.
Na escola, as pessoas que são vistas como
homossexuais são chamadas de ‘sapatas’ o tempo todo, e também xingam as minhas
amigas. Isso teve um impacto tremendo na minha vida, a ponto de saber que não
podia continuar vivendo em um país que aceitava esse tipo de comportamento, e
houve um ponto em que pensei em me suicidar. Nunca apresentei queixa, até mesmo
quando me agrediram fisicamente, porque eu não acreditava que fossem fazer algo
a respeito. O fato de ter uma rede de apoio, pertencer ao grupo jovem do BeLonG To, estar com pessoas que entendem, e saber que
não sou a única sofrendo bullying homofóbico tem me ajudado”.
Outras pessoas relataram experiências
semelhantes.
“Já gritaram coisas como ‘sapatão’ e ‘mulher-macho’
pra mim na rua e na escola, e já me encostaram na parede. Também vi outras
pessoas sendo atacadas e agredidas verbalmente. O bullying me fazia sentir horrível, deprimida e me detestando.
Acabei fazendo três anos de terapia. Anos depois eu prestei queixa do bullying para a administração da escola e os agressores
foram punidos. Meus amigos me apoiaram e os professores foram fantásticos.
Também fui acompanhada pelo orientador escolar”.
Outras alunas entrevistadas disseram que o bullying homofóbico “me fez ficar ansiosa pra mudar de
escola... também me fez perder bastante aula, porque eu simplesmente não queria
entrar na escola” e “eu costumava matar aula, me trancava no banheiro da escola
e me automutilava. Eu sentia que ninguém queria estar comigo”.
No Brasil, mais de 40% dos homens gays
relataram ter sido agredidos fisicamente enquanto estavam na escola.
Direitos humanos e
educação
O objetivo de adotar
uma abordagem baseada em direitos humanos na educação é assegurar que toda
criança tenha acesso a uma educação de boa qualidade que respeite o seu direito
à dignidade e a um nível ótimo de desenvolvimento. Essa abordagem inclui três
dimensões:
·
O direito de acesso
à educação.
Com base na
igualdade de oportunidades e livre de qualquer discriminação.
·
O direito a uma
educação de qualidade.
Para que todos
alcancem o seu potencial, aproveitem as oportunidades de emprego e desenvolvam
habilidades para a vida com base em um currículo abrangente, inclusivo e
relevante, em ambientes lúdicos, seguros e saudáveis.
·
O direito ao
respeito no ambiente de aprendizagem.
Respeito igual por
todas as crianças, incluindo o respeito aos direitos de identidade, integridade
e participação, e livre de todas as formas de violência.
Uma abordagem de
educação baseada em direitos humanos aumenta o acesso e a participação na
educação ao promover a inclusão, a diversidade, as oportunidades iguais e a não
discriminação. Essa abordagem melhora a qualidade da educação por meio de
práticas de ensino participativas e centradas no aluno e de ambientes de
aprendizagem seguros, dois aspectos fundamentais para que ocorra a
aprendizagem.
O respeito aos
direitos humanos promove o desenvolvimento social e emocional das crianças ao
assegurar a dignidade humana e as liberdades fundamentais de que precisam para
realizar seu pleno potencial. Promove, ainda, o respeito às diferenças, que é
essencial para a prevenção da violência. Uma abordagem baseada em direitos
humanos leva à criação de ambientes seguros e favoráveis à aprendizagem, onde,
juntos, professores e alunos aproveitem e se beneficiem plenamente do processo
educacional.
Fontes: UNESCO; UNICEF. A human rights-based approach
to Education for All. 2007; UNESCO. Stopping violence in schools: a guide for
teachers. 2011