Dinalva Heloiza
Frank La Rue, Relator especial da ONU sobre Liberdade de Expressão e Opinião
Em visita recente ao Brasil,
Frank La Rue, Relator Especial da ONU sobre Liberdade de Expressão e Opinião,
onde a convite do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), e a coordenação da Campanha “Para expressar a Liberdade”.
Durante sua apresentação no
Fórum, que aconteceu na quinta (13), La Rue, afirmou: “ que o direito a
liberdade de expressão, é um direito humano, e não um direito absoluto”, em um
alerta aos limites e exceções que envolvem esta categoria de liberdade humana,
referindo-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que tramita no
Supremo Tribunal Federal (STF) propondo o fim da punição às emissoras de
televisão que não cumprem a
classificação indicativa. La Rue, se declarou “assustado e escandalizado”, com
a Ação.
Foi perceptível o
descontentamento de alguns veículos de comunicação com o que foi dito por La
Rue neste aspecto, mas se observarmos
que o Brasil ainda se encontra em 84º em índice de Desenvolvimento Humano, e com um dos maiores índices de desigualdade em todo o mundo, além do que o nível de
conteúdo que ainda, e na maioria das vezes, é veiculado nestas emissoras, se
torna realmente inviável, até o momento, a liberação da classificação indicativa.
Frank La Rue lembrou como
exemplo, que os direitos das crianças devem ser preservados, se sobrepondo – se
necessário – à liberdade de imprensa, por exemplo.
O STF poderá tornar ineficaz
a classificação indicativa da programação da televisão, de responsabilidade do
Ministério da Justiça, caso seja aprovada a ADI que questiona multas para
exibição de programas em horário diferente do indicado. O Ministro Antonio Dias
Toffoli, do STF, e o relator da ação votaram no fim de novembro pelo fim da
classificação indicativa, mas a ação foi interrompida após pedidos de vistas.
La Rue, comentou – Não é
possível que um Tribunal Constitucional encontre uma contradição entre proteger as crianças e
proteger a liberdade de expressão. É uma falsa contradição. A liberdade de
expressão, segundo o artigo 19 (do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, em vigor no Brasil), tem limitações. É preciso defini-las para que
não haja abusos, mas são limitações”, afirmou. “Uma sociedade que não pode
proteger suas crianças terá crises no futuro, e não pode proteger
fundamentalmente os direitos humanos”.
Ainda sobre os três princípios
que estas limitações possuem, e que devam sempre ser considerados, La Rue, explicou : uma lei prévia; a necessidade de defender
um direito humano; e, que as medidas tomadas sejam proporcionais à proteção
deste direito.
Ele comentou ainda, que a
necessidade de regulação das comunicações, são por vezes necessárias para se
alinhar a uma ordem, mas nunca para limitar os conteúdos. “ Há sim limitações
legítimas à liberdade de expressão, mas unicamente estabelecidas para proteger
os direitos humanos de outros. Quando o abuso e o excesso da liberdade da
expressão pode criar um dano, como é o caso da proteção das crianças neste caso
específico.
Ampliando ainda mais o
diálogo, La Rue, procurou diferenciar as liberdades de expressão, imprensa e de
empresa. “As pessoas me perguntam se liberdade de expressão e liberdade de
imprensa são sinônimos. O que digo para todos é que a liberdade de imprensa é
parte da liberdade de expressão. É um
componente. A liberdade de expressão é
muito mais ampla. A liberdade de expressão para mim é um direito que se pode
exercer como indivíduo, coletivamente ou como povo. No último caso, o povo se
manifesta por meio de sua cultura, seus idiomas, suas tradições e seus valores.
E a expressão pública dessas tradições e valores, essa cultura, esse idioma,
também é liberdade de expressão, como um direito do povo”, explicou”.
O relator Especial sinalizou
que não se deve esquecer que meios comunitários também devem ser considerados
como representantes da imprensa, assim como os meios comerciais. “Um repórter
comunitário ou um locutor de uma rádio comunitária também é um jornalista, e
também merece ser protegido”, lembrou.
La Rue ressaltou ainda, que
os jornalistas não se definem pelo título, nem por algum registro oficial, nem
tampouco por uma associação profissional. “Essas três coisas são boas, mas
nunca podem ser condições. É um ato voluntário do jornalista. O jornalismo se
define pela função, que é de organizar a informação e informar a algum setor
específico da população”, afirmou, ressaltando a importância, por exemplo, do
jornalismo cidadão – utilizado nos blog.
“Mas também há cidadãos,
como no caso do desastre recente no Japão, que tiram fotografias, o mesmo
ocorrendo com cidadãos valentes da Síria e de outros lugares com seus telefones
com câmera, subindo informação para a Internet. Este jornalismo também deve ser
protegido, e é igualmente importante. Não se deve confundir liberdade de
imprensa com liberdade de empresa. A liberdade de empresa é a liberdade de
mercado. É outra coisa, são temas econômicos. A liberdade de imprensa não
necessita da regra de mercado nem se faz pela regra de mercado”, disse.
Ele também defendeu a não
criminalização do chamado jornalismo de humor, citando as caricaturas ou os
textos irônicos.
O relator traçou um
diferencial entre liberdade de imprensa e o discurso do ódio, expressamente
proibido no artigo 20 do Pacto sobre os Direitos Civis e Políticos – o Estado
deve proibir por lei, diz o texto, qualquer mensagem que incite ao ódio, à
hostilidade e à violência.
“O ódio é um sentimento que
provoca ação. Quando a mensagem é pública e incita ao ódio, com efeito negativo
concreto que se converte em discriminação, deve ser proibida. Estes [ódio,
hostilidade e violência] são os três fatores fundamentais que marcaram a
Segunda Guerra Mundial e que fundamentaram os documentos de direitos humanos –
incluindo a questão de gênero”, disse La Rue.
Quanto ao monopólio ou
oligopólio no setor de comunicações, La Rue afirmou que o problema pode ser
combatido na área comercial, com leis propriamente comerciais. “Existem leis
antimonopolistas, que tratam da concorrência desleal, em todo o tipo de
negócio, inclusive para os meios de comunicação. A Itália de Berlusconi
[ex-premiê] foi um exemplo de como o monopólio pode ser danoso ao Estado
democrático”, disse.
La Rue elogiou a legislação
recentemente aprovada na Argentina para o setor audiovisual – conhecida
internacionalmente como “Ley de Medios” –, ressaltando o processo democrático
que a tornou possível. “A lei foi levada a cada província, onde foram feitas
consultas. (…) A lei da Argentina faz um balanço equitativo nas
telecomunicações entre interesses comerciais, comunitários e públicos, que na
minha visão deveriam ser independentes. Os meios comunitários não são meios
comerciais e consequentemente não podem entrar na mesma lógica”, afirmou La
Rue, ressaltando que o elogio à lei não deve ser confundido com um elogio
genérico ao Governo argentino ou mesmo à Presidenta Cristina Kirchner.
Perguntado sobre o caso do
Clárin, que questionou a lei na Justiça, La Rue afirmou que o desenvolvimento
atual do tema no país é “um processo importante de desconcentração” e que o
Grupo Clarín “é um meio importante”, mas que “confia na justiça da Argentina”.
Ele lembrou que o Governo do
Uruguai está por apresentar uma lei semelhante, “até mais avançada”, ao
Parlamento – em um processo que classificou como “riquíssimo”. La Rue informou
que foi convidado para observar o processo de consulta acerca da legislação
uruguaia. “Todo país deve ter um regulador, que deve ser coletivo, com
representação de muitos setores, independente e aberto ao diálogo
permanentemente”, concluiu.
La Rue criticou recentes
posicionamentos de governos como o Equador e a Venezuela, afirmando que é
essencial que eles convivam com as críticas sem levar membros da imprensa para
a esfera penal. Como exemplo de posicionamento, La Rue citou a ex-Presidenta do
Chile, Michelle Bachelet. Segundo o Relator da ONU, durante todo o seu mandato
Bachelet teve frequentes divergências com o jornal “El Mercurio”, sem, no
entanto, adotar uma “política de enfrentamento”, como “equivocadamente” faz, o
Governo da Venezuela.
Sobre o tema, ele ampliou
sua análise: “Nenhum funcionário público deve usar o recurso contra a
difamação, em qualquer situação. O funcionário público deve estar aberto ao
escrutínio público – é parte de seu papel receber as críticas e dialogar”.
Visita
de Frank La Rue ao Brasil
Ainda durante sua visita ao
Brasil, que aconteceu entre o dia 11 e 15 de dezembro, o Relator teve a
oportunidade de encontrar-se com grupos da sociedade civil em São Paulo, no dia
11 de dezembro, que apresentaram alguns casos específicos da situação
brasileira. Cerca de 10 organizações estavam presentes e entregaram documentos
a La Rue. Entre elas, o Conselho Federal de Psicologia, o Coletivo Intervozes,
o Observatório da Mulher, a organização “Artigo 19” e a Associação Brasileira
de Jornalismo Investigativo (Abraji).
“É um privilégio estar
reunido com organizações da sociedade civil. Para mim, como relator, o mais
importante desse trabalho é o vínculo com a sociedade civil. A responsabilidade
dos Estados é de promover e proteger os direitos humanos, mas isso se faz a
partir da informação e das atividades que realiza a sociedade civil”, afirmou.
No Brasil, La Rue também
participou de um debate na Universidade de Brasília (UnB) e se encontrou também
com autoridades brasileiras, como o Ministro da Secretária-Geral da Presidência
da República, Gilberto Carvalho; o Secretário-Geral do Itamaraty, Embaixador
Ruy Nogueira; Paulo Bernardo, Ministro das Comunicações; Maria do Rosário,
Ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH); representantes do
Ministério Público, do empresariado e do Congresso Nacional. Na sexta-feira
(14) e sábado (15), o relator da ONU participou de encontros acadêmicos no Rio
de Janeiro.
Com
informações da UNICRio e FNDC