Dinalva Heloiza
As cidades são hoje, os espaços
com maior concentração populacional e ao menos por duas décadas, demandam, contínua exigência planetária, o imperativo de se alinharem à um novo modelo em políticas públicas, onde urge, o estabelecimento do desenvolvimento sustentável.
Essa exigência ética, propõe minimizar desafios relacionados à pobreza, as desigualdades sociais, a
mobilidade, a degradação ambiental, a vulnerabilidade e aos desastres e
impactos da mudança climática. A relação homem natureza tem sido estabelecida
ao longo da história por uma lógica predatória, na qual o ser humano usa,
destrói e desregula o espaço natural.
A preservação do ambiente natural das cidades, é um princípio ético e inclusivo do desenvolvimento econômico, e assim está inserido no contexto dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, da Agenda 2030 da ONU.
Em 2008, em um primeiro relatório, a Agência da ONU avaliou a capital como a 1ª cidade mais desigual do País, e a 10ª do mundo. Dois anos após, em 2010, a ONU Habitat, lançou um outro relatório, onde Goiânia, novamente foi avaliada no topo das cidades mais desiguais da América Latina, se destacando, em um vergonhoso primeiro lugar na lista.
Já em 2012, um terceiro relatório
aponta Goiânia, atrás, somente da cidade de Fortaleza, Ceará, aparecendo em
segundo lugar entre as cidades mais desiguais em distribuição de renda da América
Latina.
Ao observar esse cenário, e
comparar as políticas que foram estabelecidas no período, é fácil verificar que
nenhuma política efetivamente foi eixo, ao menos, em minimizar as disparidades.
Estudos acadêmicos e técnicos,
desenvolvidos pela UFG/Go e CAU/Go, são muitos. Mas nenhum precedeu a criação de
políticas nesse aspecto. Lembrando que, muitos são os cenários e instrumentos por
onde o compromisso público se faz presente, e sem dúvida alguma, a boa vontade
política é um valor do qual as sociedades não podem mais prescindir.
E assim, um dos instrumentos
fundamentais, cuja função visa efetivar essas políticas em espaço urbano, é o
Plano Diretor. É quando a cidade se dispõe a estabelecer seu Plano Diretor,
ou ampliar as diretrizes para um novo período, o que devidamente planejado, permite
que esse seja um legítimo instrumento, cuja função é estabelecida pelo Estatuto
das Cidades – como um instrumento de justiça social e redução das desigualdades no
espaço urbano.
Recentemente, venho acompanhando mais profundamente essas discussões, em muito proporcionadas por especialistas das áreas técnicas e da academia, como é o caso da arquiteta e urbanista, Maria Ester, doutora e mestre em geografia urbana, conselheira licenciada do CAU/Goiás, representante da Arca – Associação para Restauração e Conservação do Ambiente, professora do curso de arquitetura da PUC/Go, e mais recente, pré candidata à Prefeitura de Goiânia – pela Rede Sustentabilidade, e por sinal uma das maiores autoridades no conceito Cidades, em todo o estado, e ela nos lembra, em uma discussão promovida pela Universidade Federal de Goiás, que ocorreu recentemente de forma virtual.
“Quando a política urbana, definida pelo Plano Diretor, qualifica de forma diferente o espaço urbano, ou valoriza diferentemente um território, essa ação causa diferenciação espacial, e sem que haja recuperação das valorizações urbanísticas, este Plano se torna um fator indutor da desigualdade social!
“O Plano Diretor, está sendo construído dentro de um contexto de crise
pandêmica, e levando em conta, que estamos no século XXI – em 2020. São
cenários diferentes, dos últimos 10, ou 20 anos. Não é o mesmo, de quando se
criou o Plano Diretor. E esse é um instrumento de ordenamento territorial, do
início do século, em que por exemplo, os governos militares sabem muito bem
utilizar esse tipo de ordenamento territorial, organizar uma ocupação de
território, e desenhar isso em um Plano Diretor“.
É quando ela nos convida a
pensar.
“O plano precisa ter como preâmbulo a seguinte premissa: - Estamos
aprovando um Plano Diretor, em meio a uma Pandemia, onde, as escolas estão
fechadas, as ruas estão sendo ocupadas por pessoas sem emprego, onde não há
vacina, e o futuro da cidade estará sendo escrito aqui, nos próximos 300
artigos“. Ocorre que a partir de
1988, tem um marco regulatório, que diz o seguinte, discorre a arquiteta e
urbanista:
“Se você
vai fazer um Plano Diretor agora, precisa estabelecer uma coisa que se chama,
função social da propriedade e função social da cidade. É isso que está posto, e
deveria ser a espinha dorsal daquilo que é o critério de aproveitamento da
propriedade. Estamos discutindo um plano, que conforme a metodologia aqui apresentada,
está embasada em dois tópicos principais” explica Maria Ester:
“Primeiro: – um critério de aproveitamento da propriedade, como espinha
dorsal do plano”.
“Segundo: - “um princípio importante, que nasceu com a CF/88 - o
direito a posse e a propriedade. Duas coisas muito interligadas. No plano
levado a Câmara Municipal de Goiânia, estão colocados 300 artigos, dizendo: - Daqui
para a frente, o nosso critério de aproveitamento, é X, o nosso modelo de
desenvolvimento é misto, o nosso afastamento é Y. “
Onde, ela explica: “Devemos
considerar que, a definição do zoneamento, a lei de parcelamento, e a estrutura
do sistema viário, estão sendo os principais eixos delineadores do que seria
esse modelo, bastava que se pensasse o seguinte: - No momento em que tudo está
sendo proposto, considerar que, cumprir a função social da propriedade, é você
dar para quem não tem terra, - a
terra, ou aplicar um instrumento que já existe desde de 2001, a exemplo do
parcelamento compulsório nos aglomerados urbanos.”
“Muitas vezes nesse aprendizado de fazer plano, não existe uma relação
direta do que é incorporado, e não se leva em conta a capacidade da prefeitura
em executar, o que está sendo proposto”, ela aponta.
O plano de 2007, tem 13 anos que
foi colocado, e muitas coisas ali não foram implementadas, e por que?
- Porque talvez, essa conexão não tenha sido feita.
“Um exemplo, é uma sugestão nossa lá do CAU/Go, e também da Arca, – que
é o plano de bairro. O plano de bairro, é um instrumento novo, recente e
inovador. Tem inclusive alguns modelos acontecendo em São Paulo, e no Sul. Onde
a própria comunidade, se organiza, discutem com os vereadores, chegam as suas
conclusões, apresentam suas propostas, chamam as universidades, e cria-se um
plano de bairro. Transforma-se em lei, e
a prefeitura executa, com as requalificações“.
O que se evita muitas polêmicas.
“O setor Jaó, e o setor Sul, estão cheios de áreas de vazios
urbanos. Então, corremos um risco
grande, em ver algumas áreas, centrais da cidade, onde se esperava que não
recebesse essa liberalização da verticalização, serem ocupadas dessa forma”.
Isso é um conceito? – Isso é um conceito, é uma forma de ver o
plano! O que eu estou entendendo como vazio urbano, o que estou entendendo
como cidade ideal?
“Bom, então isso é uma coisa, um critério de aproveitamento da
propriedade, um critério de aproveitamento do lote, numa circunstância de
injustiça social.
E vejo como um princípio muito importante, de Plano Diretor é o princípio
das ODS, da aplicação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU. “
Porque? “Principalmente pelo
contexto da pandemia.
- Perseguir os Objetivos, teria que ser a primeira proposta. E aí,
regular por exemplo, a zona rural de forma que, pudéssemos deixar bem claro no
plano. Isso até como manual, o que é uma zona importante de preservação, o que
está desgastado, o que está desmatado? O que está sendo ocupado por loteamentos
de chácaras, e temos inclusive uma tese maravilhosa da Universidade Federal,
sobre o tema. Isso é um debate, que precisamos levantar aqui, para deixar claro
aqueles que moram principalmente, nas bordas da cidade, o que vai acontecer?
Essa é uma questão. Outra, e que
precisamos trazer para o debate. Questionar para entender, porque o plano
diretor é hoje motivo de debate?
Essa é uma metodologia de participação pública. Eu participei das 3 únicas
audiências. E lá no Estatuto das Cidades, vocês podem ir e pesquisar é o
art. 40, lá ele diz:
- São diretrizes as prioridades aqui contidas, o plano garantirá:
“Promoção de audiências públicas e debates com a participação da
população, das associações representativas dos bairros. Isso está no Estatuto
das Cidades”. Sei que não é fácil, e sei que você vai ouvir gente de todas as
opiniões, mas olha isso, é o que legitima o que foi conquistado, com a
Constituição de 88. A democratização do acesso”.
A especialista Maria Ester, é
contundente ao afirmar que houve apenas 3 audiências públicas em 2018, sendo
que o próprio Estatuto das Cidades garante, que essa discussão seja decida através
das audiências públicas e de forma presencial, quando se leva a votação uma
pequena discussão, ocorrida a 2 anos atrás, isso é ilógico.
Sendo assim, cabe aos formuladores
das políticas locais, ao se debruçarem sobre a votação do Plano Diretor da
Cidade, que entendam, as diretrizes devem estar fundamentadas no princípio da
vontade popular, através de audiências públicas atuais e com toda a sociedade,
e não somente com alguns, ou com setores técnicos e privados, mas com toda a
população, e de forma presencial. O que nesse caso, cabe sim um adiamento da
votação para uma fase posterior a pandemia, inclusive, conforme observado, até
mesmo pelo Ministério Público Estadual.
Caso seja decidido o adiamento da
votação, essa escolha sem dúvida alguma, demonstra que resta bom senso aos vereadores
da Câmara Municipal de Goiânia, e respeito aos interesses de todos.
Visto que são eles e elas, os representantes
legítimos de toda a sociedade municipal, e que o Plano Diretor de Goiânia, ao
contrário de sua legítima função, não se servirá a um aparelhamento as
crescentes desigualdades e exclusão em Goiânia, posto que urge uma ação direta
em combate a tantas disparidades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente essa Postagem