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quarta-feira, dezembro 07, 2011

Reforma do Código Florestal e a redução do salário mínimo ambiental


Por Raul Silva Telles do Valle*
Em artigo, o coordenador adjunto de Política e Direito Socioambiental do ISA, Raul do Valle, avalia as contradições da proposta de reforma do Código Florestal. Valle faz uma comparação didática com o salário mínimo para mostrar como a bancada ruralista está tentando derrubar parâmetros mínimos de proteção dos ecossistemas em prejuízo do resto da sociedade brasileira
No último dia 24/11, a Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou o substitutivo de Jorge Viana (PT-AC) para o novo Código Florestal. Nos dias seguintes, a grande imprensa dedicou razoável espaço para tentar explicar o conteúdo do projeto e o que mudará caso ele transforme-se em lei.
Embora venha prevalecendo a opinião de que a proposta seria um “meio termo” entre as demandas ambientalistas e ruralistas, poucos conseguiram passar aos leitores uma avaliação simples e fiel do que ela representa.
Isso ocorre, não raras vezes, porque o assunto é complexo, tanto pelos conceitos e terminologias usados, como pelas múltiplas dimensões abordadas no projeto (agricultura, pecuária, áreas urbanas, espécies em extinção etc).
A votação no plenário do Senado pode acontecer ainda nesta semana. Depois, o texto segue para a Câmara, onde a bancada ruralista tenta passar a impressão de que está descontente com a reforma do Código Florestal. Mesmo que detalhes importantes ainda possam ser modificados nessas duas votações, o resultado final está mais ou menos claro e creio que é possível falar sobre ele de uma forma simples e objetiva.
Analogia
Faço uma analogia com o salário mínimo, presente no universo simbólico e real de todos os brasileiros, para tentar explicar o que a reforma do Código Florestal significa.
Em resumo, o salário mínimo é a menor quantia que deve ser paga a um trabalhador para garantir sua sobrevivência. Todos os anos seu valor é reavaliado, com base no aumento do custo de vida, e fixado em lei. Uma das principais conquistas dos trabalhadores, é uma garantia contra a exploração abusiva da força de trabalho pelos empresários. Ao mesmo tempo, tem função reguladora do próprio mercado, assegurando uma distribuição de renda mínima que garanta o poder de consumo dos trabalhadores, motor da economia.
O Código Florestal pode ser interpretado como a lei do salário mínimo ambiental. Busca evitar a exploração abusiva de nossos ecossistemas pelas atividades agropecuárias e urbanas, exigindo que seja preservado um mínimo de vegetação nativa nas propriedades para que os serviços ambientais básicos continuem funcionando, o que é fundamental para garantir a perenidade das atividades econômicas que utilizam recursos naturais.
O valor do salário mínimo ambiental não é medido em dinheiro, mas em área a ser protegida: as APPs (Áreas de Preservação Permanente) e RLs (Reservas Legais), que têm extensões variáveis, dependendo do local em que estão (30 metros na beira de rios, 20% do imóvel etc).
Dois salários diferentes
E como o projeto que está prestes a ser aprovado trata o salário mínimo ambiental?
A princípio, como alardeado pelos relatores da Câmara (Aldo Rebelo) e do Senado (Luiz Henrique e Jorge Viana), o valor geral não teria sido diminuído em relação à lei atual, embora tampouco tenha aumentado. Apesar do alerta dos cientistas sobre a necessidade de aumento, o valor do salário mínimo ambiental foi congelado (saiba mais box no final do texto). Isso acontece porque, de acordo com o texto que será votado no plenário do Senado, em grande parte dos casos, as APPs e RLs que foram preservadas deverão manter a extensão definida pelo atual Código Florestal.
Para fins de recuperação das áreas desmatadas ilegalmente, no entanto, os parâmetros foram reduzidos. Assim, com a aprovação do projeto, o país passará a ter dois valores diferentes de salário mínimo. Um, o normal, terá que ser pago pelos empresários que sempre cumpriram a lei e pagaram corretamente seus empregados. O outro, menor, será pago pelos empresários que, até 2008, usaram trabalho escravo ou pagaram menos do que o salário mínimo a seus funcionários. Pelo projeto, essa é a linha de corte temporal para se definir quem deve ou não pagar o valor “normal” do salário mínimo. O que justifica esse corte é a alegação, feita pelo sindicato patronal dos produtores rurais, de que muitas empresas já estavam funcionando quando o salário era menor e, com o aumento do seu valor, ficou impossível produzir.
Ocorre que o último aumento no valor do salário mínimo ambiental ocorreu mais de 20 anos antes dessa data. Apesar de todos saberem disso, ela foi mantida no texto final de Jorge Viana. E poucos foram os parlamentares que se fizeram a seguinte questão: o fato de uma empresa já estar em funcionamento desobriga o empresário de atualizar o valor do salário de seus empregados?
O fato é que essa linha de corte está prevalecendo e a partir dela foram criadas algumas regras. A primeira é de que toda a dívida acumulada até essa data pelos empresários caloteiros será perdoada. Não se trata de desconto. A dívida será totalmente anulada. Mas há uma condição: eles terão que entrar num programa de regularização. Inicialmente, o projeto estabelecia que a anulação das dívidas era imediata, mas o prazo para adesão ao programa indefinido. Uma das “conquistas” da proposta que vai a plenário é que agora há um prazo definido de quatro anos para entrar no programa.
O mínimo e o máximo
Pelo programa de regularização, aqueles empresários que até hoje nada ou pouco pagaram a seus funcionários terão que finalmente pagar… Mas metade do salário: para fins de recuperação, as APPs foram reduzidas em mais de 50% e, em muitos casos, não será necessário recompor a RL!
Apesar do valor desse salário, pelo projeto, continuar sendo considerado o mínimo para a sobrevivência dos trabalhadores, para os caloteiros o mínimo é o máximo. Trata-se de uma anistia com efeitos para o futuro e não apenas uma borracha no passado.
Algumas pessoas acharam estranha essa história: como exigir menos do que o mínimo? O sindicato patronal se apressou a responder: haveria milhões de microempresários que, com toda a dificuldade que é produzir no país, não conseguirão pagar o mínimo a seus funcionários e fecharão as portas, causando caos social e econômico. Então fica assim: todos os empresários com dívidas terão que pagar, daqui em diante, no máximo metade do salário a seus funcionários e até mesmo os que faturam milhões de reais por ano ficam isentos de pagar férias, 13º e contribuir para o FGTS.
Mas a ideia não era aliviar os microempresários? E os funcionários? Como farão para comprar sua cesta básica, pagar as contas? Olha o avião passando ali! Vamos para o próximo assunto.
Pacote de bondades
Durante a tramitação do projeto, advogados “especialistas” em economia, bancados pelo sindicato patronal, entraram em cena para colocar sobre a mesa dados que justificariam essa anistia para o passado e futuro. De acordo com eles, se todos os empresários endividados tivessem que, daqui em diante, pagar o salário mínimo ambiental, o país quebraria. Se o cálculo valesse para outras áreas, teríamos o congelamento eterno dos salários.
Só se esqueceram de colocar na conta que o que é perda para o empresário é ganho direto para os trabalhadores e indireto para a sociedade como um todo, inclusive os empresários, já que, com mais recursos, os trabalhadores não só vivem melhor como gastam mais, movimentando a economia.
E os empresários que cumpriram com seu dever e durante anos sofreram concorrência desleal dos demais? Serão recompensados? Terão desconto nos impostos, linha de crédito preferencial e a juros baixos para ampliar suas atividades? Para esses, o projeto prevê que, em 180 dias, o Governo Federal poderá criar um pacote de bondades como essas, a depender da boa vontade da presidente, que não participou da elaboração dessa regra e, portanto, nunca pediu autorização para nada (e nem precisava, caso quisesse fazer algo).
E se esse pacote não vier? Poderá esse empresário pedir a redução do salário de seus funcionários para poder competir em nível de igualdade com os ex-caloteiros (agora regularizados)? Claro que não, pois nossos parlamentares são radicais na defesa dos direitos dos trabalhadores, e não vão aceitar nenhuma redução salarial no país. O projeto não tem anistia nem redução de salário, diriam…
A nova lei deveria ter, pelo menos, mecanismos mais eficientes do que a lei atual para garantir que os regularizados não voltem a ser novamente caloteiros, não? Porque, entre não receber nada e receber alguma coisa, melhor receber algo, não é verdade?
Durante a tramitação do projeto foram apresentadas propostas para proibir que os caloteiros vendam livremente sua produção, de modo que não possam mais contratar com o Poder Público, tenham restrição de crédito. Só esta última ficou no projeto e está sob ameaça do sindicato patronal, que alega ser a regra abusiva.
Além disso, foi criado um cadastro de regularizados, pelo qual o Poder Público poderia saber exatamente quem são e monitorá-los com mais eficiência (desde que contrate mais funcionários para as agências de controle, claro). Como está no projeto, no entanto, o cadastro não terá efetividade: ele exige o número da casa do proprietário, mas não o nome da rua…
E assim vamos adiante.
O que diz a Ciência?
Pesquisas científicas feitas nas últimas décadas demonstram que os parâmetros do Código Florestal vigente, em muitos casos, são insuficientes para garantir a sobrevivência de um grande número de espécies e o adequado funcionamento de vários dos serviços ambientais necessários ao nosso dia a dia.
Segundo estudo feito pelo pesquisador Jean Paul Metzger, da USP, a partir de extensa revisão bibliográfica, uma paisagem que tenha menos de 30% de vegetação nativa preservada deixa de ser funcional, ou seja, vários de seus ciclos naturais entram em colapso.
Pela lei atual, se todas as APPs (matas ciliares, florestas de encostas e topos de morro etc.) e RLs (parte do imóvel que deve ser preservada, independente das APPs) fossem de fato conservadas, teríamos em grande parte do país (fora da Amazônia Legal) um patamar próximo a isso, mas em geral inferior. O projeto prevê que esse patamar vai diminuir, já que as APPs passarão a ser contabilizadas na RL, ou seja, cada imóvel terá, no máximo, 20% de vegetação nativa preservada.
Estudo liderado pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) foi taxativo ao dizer que a medida de proteção aos pequenos rios brasileiros (que correspondem a mais de 60% da área de drenagem do país), que é de 30 metros atualmente, é insuficiente para atingir os fins a que se propõe e deveria ser aumentada para pelo menos 50 metros. A reforma do Código Florestal não só não aumenta essa proteção, como, ao modificar a forma de cálculo das APPs (do leito maior para o leito regular), a reduz.
*Raul Silva Telles do Valle: Coordenador adjunto de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA)

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